terça-feira, 25 de dezembro de 2018

FREDERICO POMBARES


Ana Rocha: Quem é o Frederico Pombares?
Frederico Pombares: Quarentão, guionista e pai. Amigo e alarve – gosto muito de comer.  Nasço em Lisboa, licencio-me em Comunicação Empresarial e trabalho, como publicitário, alguns anos largos – 6 ou 7 anos –, sempre em multinacionais. Mccann Erickson, duas vezes. Publicis. Ogilvy. BBDO. Saatchi and Saatchi.
A.R.: Qual é a diferença entre o Frederico Pombares, recém-licenciado, e o Frederico Pombares de hoje, com 40 anos?
F.P.: A diferença é que tenho muito mais referências, sei adaptar o meu talento às pessoas e sei o que ganha/ não ganha prémios [em publicidade].
A.R.: Trabalhavas, enquanto publicitário, para os prémios?
F.P.: Eu não trabalhava para os prémios, mas as agências trabalham. É assim que as coisas funcionam, apesar de ser subjectiva a qualidade da premiação – porque envolve grupos empresariais enormes, política (…). É com isso que temos de viver e, normalmente, quando se ganha é porque se é realmente bom.
A.R.: Porque é que deixas de trabalhar em Publicidade? Nunca deixas definitivamente a área da Comunicação, mas deixas especificamente o mundo publicitário.
F.P.: Isso, exactamente, e há uma altura em que tenho um pé na doca e outro no barco – fiz as duas coisas. Se não tiveres assoberbado de trabalho, em qualquer um dos lados, acabas por conseguir trabalhar. A diferença é que começa a ser parvo porque, por exemplo, eu percebi que num fim-de-semana a escrever – fim-de-semana, sem contar com as manhãs – ganhava o mesmo que num mês inteiro de publicidade, a levantar-me de manhã e a chegar a casa sabe-se lá quando. Acho que aí tu percebes: é parvo. Em casa, em dois dias, fazes aquilo que fazes em 30.  E há outra coisa que eu digo sempre que presidiu à minha mudança, que é o facto de eu perceber, a partir do momento em que comecei a ser argumentista, que é possível tu fazeres coisas que não são censuradas – não é censuradas, é que saem exactamente como são criadas. Em publicidade, é impossível.
A.R.: Porquê?
F.P.: O trabalho publicitário acontece por etapas. O account é o profissional responsável por falar com o cliente e, já por si, não é particularmente amigo da criatividade – porque é mais difícil de vender e os clientes querem o óbvio. A minha chatice aqui era: tu fazias um anúncio e passava pelo account, depois pelo director criativo – outra barreira, muitas vezes – e, finalmente, pelo cliente. Nestas três etapas, quando o trabalho voltava já não era nada do que tinhas feito. Isso incomodava-me imenso; as coisas irem para o ar e eu ter vergonha de dizer que era meu. Sendo argumentista, a única pessoa que está entre mim e o público é a pessoa que diz aquilo que eu escrevo.

 "Sendo argumentista, a única pessoa que está entre mim e o público é a pessoa que diz aquilo que eu escrevo."

A.R.: Tens de vender o teu produto.
F.P.: A partir do momento em que a pessoa me procura, já não tenho muito para vender. A pessoa procura-me por alguma razão.
A.R.: Foste procurado?
F.P.: Fui sempre procurado, nunca aconteceu o contrário, nunca procurei, nunca me aconteceu. Recebi sempre telefonemas e, obviamente, agora tenho currículo e estatuto na minha carreira.  No início tive muita sorte, porque comecei por cima e nunca parei.
A.R.: “Sorte” …
F.P.: Acabou por ser um bocado, sabes, porque eu namorava com uma rapariga que estava no meio – era da rádio, depois fez televisão – e eu comecei a escrever para ela quando era muito novo. Esse meio começou a dar-se, depois o Levanta-te e Ri começou, na SIC, e o Bruno Nogueira, que estava a fazer o Levanta-te e Ri, viu um blogue que eu tinha…
A.R.: [Interrompe] Uau!, já foste blogueiro!
F.P.: Já, quando ninguém era. É a minha sina. Era o pioneiro, depois abandono.  E foi isso: na altura, ele [Bruno Nogueira] queria fazer uma entrega de prémios mas não queria escrever e essa foi a primeira coisa que eu fiz, há muitos anos.
A.R.: Uma entrega de prémios para a televisão?
F.P.: Não, não. Foi uma entrega de prémios para uma empresa, uma Associação de Marketing.
A.R.: Foi nessa altura que descobriste que podias ganhar mais com menos trabalho?
F.P.: Não, nessa altura recebia muito pouco. Não faço ideia do que recebi. Sei que o meu próximo projecto foi em 2003, um ano a seguir. Em 2003, quando faziam uma árvore de natal gigante em Belém – uma espécie de Rockefeller Center, mas em pobre –, a SIC fez uma gala que se chamava “Gala das Bolas de Ouro”, de três horas, em directo, com todos os humoristas do Levanta-te e Ri. Eu escrevi essa gala, por 70€ – portanto, ainda não era aí que eu tinha de fazer a minha opção – mas, por 70€, todos os comediantes do Levanta-te e Ri tiveram conhecimento do meu estilo de escrita. Então, eu sempre comecei por cima. A partir daí, o Marco Horácio disse que me queria a escrever.
A.R.: Qual era a tua ambição quando aceitavas esse trabalho?
F.P.: Era exactamente essa. Podiam dizer-me que não tinham dinheiro que eu faria o trabalho na mesma. Era chegar às pessoas de quem eu gostava. Esta era a melhor montra que eu poderia ter. Estavam todos os olhos – de todos os humoristas da altura – postos no meu trabalho. É uma coisa que a maior parte das pessoas não consegue, porque enviam textos que se reenviam para trás, não se lêem, não se recebem, não se responde… Trabalhar para o Bruno Nogueira é começar o mais por cima possível.
A.R.: Porque é que o trabalho publicitário é tão caro? [Explica-me como se eu fosse muito burra!]
F.P.: [É o que eu estou a fazer!] Porque é criativo. Tudo o que não é mensurável – tudo o que seja cabeça e não força – acaba por ser mais caro. Tem que ver com aquilo que não podes realmente fabricar. Para fazeres uma obra maior, trazes mais homens, trazes mais força, mas mil pessoas podem não te trazer uma ideia de génio. A criatividade e a ideia – que é onde tudo começa e é o sucesso de tudo: a ideia, não o esforço que vem a seguir – é o mais importante. É com a critividade e a ideia que se ganham prémios, não com a execução. Bem, quer dizer, infelizmente não é tanto assim – hoje em dia já não é tanto assim –, vês filmes lindíssimos, que ganham prémios porque são lindíssimos, mas o texto é uma merda e o guião é uma merda. Para mim, a ideia continua a ser o mais importante de tudo. 

 "A criatividade e a ideia – que é onde tudo começa e é o sucesso de tudo: a ideia, não o esforço que vem a seguir – é o mais importante."

A.R.: Falavas há pouco de um currículo sólido. Em que projectos é que já te envolveste?
F.P.: Último a Sair, Telerural, Lado B, Sal, Ferro Activo, Levanta-te e Ri (…). São muitos anos.
A.R.: De qual é que te envergonhas mais?
F.P.: Envergonhar, de nenhum. São todos originais e tenho orgulho em todos. O único que, sem me envergonhar, acredito que não devesse ter feito – mas tinha uma empresa e acredito que precisava de contribuir com um projecto – foi um que se chamava Família Superstar, com a Bárbara Guimarães. Não precisavam de mim para aquilo, mas era para a empresa e era dinheiro para a empresa. Nessa empresa, tive imensas telenovelas – Rebelde Way, Chiquititas, Floribella, Jura, Vingança – mas não era eu a escrever.
A.R.: Qual foi o trabalho de que gostaste mais?
F.P.: É difícil dizer porque de todos eles eu gostei muito de maneiras muito diferentes. O Telerural porque o criei, do zero. O Último a Sair porque é das melhores coisas feitas em Portugal. O Ferro-Activo porque me deu gozo representar no único estilo que eu sei representar – que é a fazer de mim próprio. O Sal porque acho que é uma obra de ficção maravilhosa. Há filmes que adorei fazer e uma longa-metragem fabulosa. Há dois anos ou três fiz um drama – esteve no cinema, recebeu alguns prémios – que me deu um gozo enorme a fazer, com um elenco de luxo, mas eu não recebi nada por aquilo e quase ninguém recebeu nada por aquilo. É uma caturrice nossa, e está tudo certo. Quando queremos fazer coisas para nichos, acho que temos de ser nós a pagar. Acho que não é justo, acho que é um porque sim – e a minha filha, com 4 anos, não me deixa responder-lhe isso – arrogante e egoísta. Para começar, acho que toda a gente devia ter ajuda.
A.R.: Ajuda... Financeira?
F.P.: Sim, acho que toda a gente devia ter ajuda porque nem todos os génios são ricos. Na realidade, quase nenhuns. É claro que aí tem de se ajudar. Nessa fase. Se não resulta, não tens de continuar a ajudar a pessoa para sempre. Não faz sentido. Nós – guionistas, actores, produtores – trabalhamos para as pessoas e, sem as pessoas, não somos ninguém.
A.R.: A arte não tem um valor intrínseco?
F.P.: Tem, mas se tem um valor intrínseco que se autofinancie com o valor intrínseco que tem. – Porque não? Porque a indústria é outra? Porque é um alimento da alma? O Big Brother, por exemplo, que é um programa generalista, mudou a vida, não só televisiva, de muitas pessoas. Mudou a percepção das pessoas, porque não se sabia que aquilo era possível. A maior vantagem do Big Brother é o voyerismo, obviamente.
A.R.: És um voyerista?
F.P.: Por acaso sou, mas não é esse o meu interesse. O meu interesse é ver pessoas que eu naturalmente não veria no meu dia-a-dia. Hoje em dia, o Big Brother e a Casa dos Segredos vêem-se como se fossem um jardim zoológico. É igual, porque são coisas que não se vêem diariamente. Eu, como argumentista e criativo, tenho de conhecer aquela realidade e eu não me vou meter numa discoteca do Montijo às 7h da manhã. Portanto, eu quero que a discoteca dos subúrbios venha ter comigo – e isso só num Big Brother, num Love On Top. São pessoas com quem não me cruzaria na minha vida. O meu fascínio pelos reality shows é esse: ver coisas que não veria naturalmente, sem fazer um esforço.

 "Hoje em dia, o Big Brother e a Casa dos Segredos vêem-se como se fossem um jardim zoológico."

A.R.: Todos os relacionamentos morrem?
F.P.: Não morrem: mutam ou acabam. Obviamente, nenhuma relação no seu meio e no seu fim é igual ao seu início. Em todas – amorosas, familiares ou profissionais – a longevidade faz com que a coisa mude ou acabe, salvo raras excecpções, mas isso também tem que ver com a exigência das pessoas. Podes estar apaixonada a vida toda se o teu critério for encontrar um homem simpático e trabalhor ou honesto e com um six-pack – mas o six-pack perde-se com a idade e as pessoas esquecem-se disso.
A.R.: Quais são os teus critérios?
F.P.: Carinhosa, estável, equilibrada, que ame a família e se dê muito bem, com sentido de humor, com classe e charme. Bem-sucedida profissionalmente, sóbria – não falo de álcool – que só dê confiança aos mais próximos, que adore a minha filha e a trate (quase) como sua. Deve querer o mesmo que eu – por exemplo, casa e local – e deve ser independente o suficiente para fazer as suas coisas enquanto eu faço as minhas. Ultra fiel, que me faça sentir o homem da sua vida desde sempre e para sempre “o tal”, que se dê bem com os meus pais e amigos. Cada uma destas coisas quer dizer cinco, porque as associo a muitas coisas boas. Tenho sempre relações longuíssimas – seis anos; seis anos; cinco anos, quando me casei; – por ter estes critérios.
A.R.: O erro foi casar…
F.P.: O erro sou eu. As pessoas já não são iguais, para mim – já não servem o seu propósito –, e eu quero coisas que não posso ter num relacionamento. Todos mudamos uns com os outros. No início, deixamos de dormir para estar com a pessoa e depois, no fim, queremos é dormir para não estar com a pessoa. Eu quero muito fazer o que eu quero, porque só vivemos uma vez, quero muito fazer o que me apetece e não me apetece muito fazer fretes, a não ser pela minha filha. E como não gosto de fazer coisas contrariado, porque não me sinto feliz, e acredito que as outras pessoas não se devem sentir felizes com a minha infelicidade, acho que ninguém ganha com aquilo. Acho que estou a ocupar o tempo de pessoas que podiam ser felizes com outras. Acho que é injusto. Ainda agora, como tu sabes, vou ter um almoço com um grupo de amigos do WhatsApp que se chama “Só as gordas é que sabem” e os almoços são épicos, mas somos homens, somos amigos e fala-se de muita coisa que pode ser chocante para senhoras. Não é que os homens não levem as mulheres, mas é que somos realmente muito ordinários e somos buçais e não acho que se coadune com a companhia feminina. Neste caso, é mais por isso – não é o “lá vão eles e as mulheres ficam em casa”.

"No início, deixamos de dormir para estar com a pessoa e depois, no fim, queremos é dormir para não estar com a pessoa."

A.R.: Seria isso uma forma de machismo paternalista?
F.P.: Pode ser paternalista, mas não acho que seja machismo. Sempre que estou com a minha filha, abro-lhe a porta e digo “primeiro as senhoras”. Ela passa. Claro que, se estiver com uma senhora, faço o mesmo – sem o dizer. Eu sinto-me bem a dizer isto à minha filha. Podes dizer que é paternalista. Não te sei dizer isso. Não é. Eu acho é que eu gosto de fazer isto; sinto-me bem. Agora, acho também que não se deve fazer o contrário.
A.R.: Extremar? Podemos continuar a ser gentis.
F.P.: Claro!, eu sou gentil na mesma com as pessoas. Acho que há alguns problemas com algumas coisas em particular, em que as pessoas deixam de pensar, deixam de racionalizar sobre coisas como abrir as portas às senhoras. Há qualquer coisa, como se lhes metessem um dedo no rabo – “não precisamos que nos abram as portas!”, “nós sabemos abrir as portas!” –, e a igualdade de género não é isso. Nós não somos todos iguais. Particularizem, não generalizem. Nisto, como em tudo na vida. Não há uma acção que despolete uma reacção universal. Não nos coloquem a todos na mesma gavetinha dos homens que vos abrem a porta. 

 "Nós não somos todos iguais. Particularizem, não generalizem. Nisto, como em tudo na vida. Não há uma acção que despolete uma reacção universal. Não nos coloquem a todos na mesma gavetinha dos homens que vos abrem a porta."

A.R.: Então a luta pela igualdade do género está a mover o preconceito para o outro lado do balança?
F.P.: Eu acho que se exagera. Acho que se exagera, obviamente, quando se fala de um cartão de cidadão e de um cartão de cidadã – mas se for para ser… É! Eu acho é que há coisas muito mais importantes.
A.R.: O quê, por exemplo?
F.P.: Os homens ganharem mais do que as mulheres. Eu sou a favor de que toda a gente seja igual. Para mim há critérios que não têm que nada que ver com género e orientação sexual, têm que ver com meritocracia. Só. 

 "Para mim há critérios que não têm que nada que ver com género e orientação sexual, têm que ver com meritocracia."

A.R.: Em que é que tu és melhor do que os outros?
F.P.: Eu não sou melhor do que os outros no meu trabalho, sou um dos melhores. Eu tenho menos opções mas mais paixão. Eu não vou tirar um curso de fotografia no próximo verão, um curso de teatro daqui a dois e aprender a bordar daqui a três anos. Há quatro ou cinco coisas de que eu gosto de fazer e esse é o meu foco. Eu acredito que nascemos com aptidões naturais, que podem ou não ser exponenciadas, e é muito triste saber que há quem não goste daquilo que, profissionalmente, está a fazer. Dá-me pena. Quando é por opção da pessoa, acho que é estúpido e merece ser infeliz. Quando não é, tenho imensa pena. Acredito que somos todos muito bons em alguma coisa. Eu gosto de ser o melhor naquilo que faço e sinto que estou lá em cima – pelo meu currículo, não é uma opinão, não sou eu que acho. É uma coisa de que me orgulho muito de poder dizer à minha filha. No futuro.

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