Ana Rocha: Quem é o Frederico Pombares?
Frederico Pombares: Quarentão, guionista e pai. Amigo e alarve
– gosto muito de comer. Nasço em Lisboa,
licencio-me em Comunicação Empresarial e trabalho, como publicitário, alguns
anos largos – 6 ou 7 anos –, sempre em multinacionais. Mccann Erickson, duas vezes. Publicis. Ogilvy. BBDO. Saatchi and Saatchi.
A.R.: Qual é a diferença entre o Frederico Pombares,
recém-licenciado, e o Frederico Pombares de hoje, com 40 anos?
F.P.: A diferença é que tenho muito mais referências, sei
adaptar o meu talento às pessoas e sei o que ganha/ não ganha prémios [em
publicidade].
A.R.: Trabalhavas, enquanto publicitário, para os prémios?
F.P.: Eu não trabalhava para os prémios, mas as agências
trabalham. É assim que as coisas funcionam, apesar de ser subjectiva a
qualidade da premiação – porque envolve grupos empresariais enormes, política
(…). É com isso que temos de viver e, normalmente, quando se ganha é porque se
é realmente bom.
A.R.: Porque é que deixas de trabalhar em Publicidade? Nunca
deixas definitivamente a área da Comunicação, mas deixas especificamente o
mundo publicitário.
F.P.: Isso, exactamente, e há uma altura em que tenho um pé na
doca e outro no barco – fiz as duas coisas. Se não tiveres assoberbado de
trabalho, em qualquer um dos lados, acabas por conseguir trabalhar. A diferença
é que começa a ser parvo porque, por exemplo, eu percebi que num fim-de-semana
a escrever – fim-de-semana, sem contar com as manhãs – ganhava o mesmo que num
mês inteiro de publicidade, a levantar-me de manhã e a chegar a casa sabe-se lá
quando. Acho que aí tu percebes: é parvo. Em casa, em dois dias, fazes aquilo
que fazes em 30. E há outra coisa que eu
digo sempre que presidiu à minha mudança, que é o facto de eu perceber, a
partir do momento em que comecei a ser argumentista, que é possível tu fazeres
coisas que não são censuradas – não é censuradas, é que saem exactamente como
são criadas. Em publicidade, é impossível.
A.R.: Porquê?
F.P.: O trabalho publicitário acontece por etapas. O account é o profissional responsável por
falar com o cliente e, já por si, não é particularmente amigo da criatividade –
porque é mais difícil de vender e os clientes querem o óbvio. A minha chatice
aqui era: tu fazias um anúncio e passava pelo account, depois pelo director criativo – outra barreira, muitas
vezes – e, finalmente, pelo cliente. Nestas três etapas, quando o trabalho
voltava já não era nada do que tinhas feito. Isso incomodava-me imenso; as
coisas irem para o ar e eu ter vergonha de dizer que era meu. Sendo argumentista, a única pessoa que está
entre mim e o público é a pessoa que diz aquilo que eu escrevo.
"Sendo argumentista, a única pessoa que está
entre mim e o público é a pessoa que diz aquilo que eu escrevo."
A.R.: Tens de vender o teu produto.
F.P.: A partir do momento em que a pessoa me procura, já não
tenho muito para vender. A pessoa procura-me por alguma razão.
A.R.: Foste procurado?
F.P.: Fui sempre procurado, nunca aconteceu o contrário, nunca
procurei, nunca me aconteceu. Recebi sempre telefonemas e, obviamente, agora
tenho currículo e estatuto na minha carreira.
No início tive muita sorte, porque comecei por cima e nunca parei.
A.R.: “Sorte” …
F.P.: Acabou por ser um bocado, sabes, porque eu namorava com
uma rapariga que estava no meio – era da rádio, depois fez televisão – e eu
comecei a escrever para ela quando era muito novo. Esse meio começou a dar-se,
depois o Levanta-te e Ri começou, na SIC, e o Bruno Nogueira, que estava a
fazer o Levanta-te e Ri, viu um blogue que eu tinha…
A.R.: [Interrompe] Uau!, já foste blogueiro!
F.P.: Já, quando ninguém era. É a minha sina. Era o pioneiro,
depois abandono. E foi isso: na altura,
ele [Bruno Nogueira] queria fazer uma entrega de prémios mas não queria
escrever e essa foi a primeira coisa que eu fiz, há muitos anos.
A.R.: Uma entrega de prémios para a televisão?
F.P.: Não, não. Foi uma entrega de prémios para uma empresa, uma
Associação de Marketing.
A.R.: Foi nessa altura que descobriste que podias ganhar mais
com menos trabalho?
F.P.: Não, nessa altura recebia muito pouco. Não faço ideia do
que recebi. Sei que o meu próximo projecto foi em 2003, um ano a seguir. Em
2003, quando faziam uma árvore de natal gigante em Belém – uma espécie de
Rockefeller Center, mas em pobre –, a SIC fez uma gala que se chamava “Gala das
Bolas de Ouro”, de três horas, em directo, com todos os humoristas do
Levanta-te e Ri. Eu escrevi essa gala, por 70€ – portanto, ainda não era aí que
eu tinha de fazer a minha opção – mas, por 70€, todos os comediantes do
Levanta-te e Ri tiveram conhecimento do meu estilo de escrita. Então, eu sempre
comecei por cima. A partir daí, o Marco Horácio disse que me queria a escrever.
A.R.: Qual era a tua ambição quando aceitavas esse trabalho?
F.P.: Era exactamente essa. Podiam dizer-me que não tinham
dinheiro que eu faria o trabalho na mesma. Era chegar às pessoas de quem eu
gostava. Esta era a melhor montra que eu poderia ter. Estavam todos os olhos –
de todos os humoristas da altura – postos no meu trabalho. É uma coisa que a
maior parte das pessoas não consegue, porque enviam textos que se reenviam para
trás, não se lêem, não se recebem, não se responde… Trabalhar para o Bruno
Nogueira é começar o mais por cima possível.
A.R.: Porque é que o trabalho publicitário é tão caro?
[Explica-me como se eu fosse muito burra!]
F.P.: [É o que eu estou a fazer!] Porque é criativo. Tudo o que não é mensurável – tudo o que
seja cabeça e não força – acaba por ser mais caro. Tem que ver com aquilo que
não podes realmente fabricar. Para fazeres uma obra maior, trazes mais homens,
trazes mais força, mas mil pessoas podem não te trazer uma ideia de génio. A
criatividade e a ideia – que é onde tudo começa e é o sucesso de tudo: a ideia,
não o esforço que vem a seguir – é o mais importante. É com a critividade e
a ideia que se ganham prémios, não com a execução. Bem, quer dizer,
infelizmente não é tanto assim – hoje em dia já não é tanto assim –, vês filmes
lindíssimos, que ganham prémios porque são lindíssimos, mas o texto é uma merda
e o guião é uma merda. Para mim, a ideia continua a ser o mais importante de
tudo.
"A
criatividade e a ideia – que é onde tudo começa e é o sucesso de tudo: a ideia,
não o esforço que vem a seguir – é o mais importante."
A.R.: Falavas há pouco de um currículo sólido. Em que projectos
é que já te envolveste?
F.P.: Último a Sair, Telerural, Lado B, Sal, Ferro Activo,
Levanta-te e Ri (…). São muitos anos.
A.R.: De qual é que te envergonhas mais?
F.P.: Envergonhar, de nenhum. São todos originais e tenho
orgulho em todos. O único que, sem me envergonhar, acredito que não devesse ter
feito – mas tinha uma empresa e acredito que precisava de contribuir com um
projecto – foi um que se chamava Família Superstar, com a Bárbara Guimarães.
Não precisavam de mim para aquilo, mas era para a empresa e era dinheiro para a
empresa. Nessa empresa, tive imensas telenovelas – Rebelde Way, Chiquititas,
Floribella, Jura, Vingança – mas não era eu a escrever.
A.R.: Qual foi o trabalho de que gostaste mais?
F.P.: É difícil dizer porque de todos eles eu gostei muito de
maneiras muito diferentes. O Telerural porque o criei, do zero. O Último a Sair
porque é das melhores coisas feitas em Portugal. O Ferro-Activo porque me deu
gozo representar no único estilo que eu sei representar – que é a fazer de mim
próprio. O Sal porque acho que é uma obra de ficção maravilhosa. Há filmes que
adorei fazer e uma longa-metragem fabulosa. Há dois anos ou três fiz um drama –
esteve no cinema, recebeu alguns prémios – que me deu um gozo enorme a fazer,
com um elenco de luxo, mas eu não recebi nada por aquilo e quase ninguém
recebeu nada por aquilo. É uma caturrice nossa, e está tudo certo. Quando queremos
fazer coisas para nichos, acho que temos de ser nós a pagar. Acho que não é
justo, acho que é um porque sim – e a minha filha, com 4 anos, não me deixa
responder-lhe isso – arrogante e egoísta. Para começar, acho que toda a gente
devia ter ajuda.
A.R.: Ajuda... Financeira?
F.P.: Sim, acho que toda a gente devia ter ajuda porque nem
todos os génios são ricos. Na realidade, quase nenhuns. É claro que aí tem de
se ajudar. Nessa fase. Se não resulta, não tens de continuar a ajudar a pessoa
para sempre. Não faz sentido. Nós – guionistas, actores, produtores –
trabalhamos para as pessoas e, sem as pessoas, não somos ninguém.
A.R.: A arte não tem um valor intrínseco?
F.P.: Tem, mas se tem um valor intrínseco que se autofinancie
com o valor intrínseco que tem. – Porque não? Porque a indústria é outra? Porque
é um alimento da alma? O Big Brother,
por exemplo, que é um programa generalista, mudou a vida, não só televisiva, de
muitas pessoas. Mudou a percepção das pessoas, porque não se sabia que aquilo
era possível. A maior vantagem do Big
Brother é o voyerismo,
obviamente.
A.R.: És um voyerista?
F.P.: Por acaso sou, mas não é esse o meu interesse. O meu interesse é ver pessoas que eu
naturalmente não veria no meu dia-a-dia. Hoje em dia, o Big Brother e a Casa dos Segredos vêem-se como se fossem um jardim
zoológico. É igual, porque são coisas que não se vêem diariamente. Eu, como
argumentista e criativo, tenho de conhecer aquela realidade e eu não me vou
meter numa discoteca do Montijo às 7h da manhã. Portanto, eu quero que a
discoteca dos subúrbios venha ter comigo – e isso só num Big Brother, num Love On Top.
São pessoas com quem não me cruzaria na minha vida. O meu fascínio pelos reality
shows é esse: ver coisas que não veria naturalmente, sem fazer um esforço.
"Hoje em dia, o Big Brother e a Casa dos Segredos vêem-se como se fossem um jardim
zoológico."
A.R.: Todos os relacionamentos morrem?
F.P.: Não morrem: mutam ou acabam. Obviamente, nenhuma relação
no seu meio e no seu fim é igual ao seu início. Em todas – amorosas, familiares
ou profissionais – a longevidade faz com que a coisa mude ou acabe, salvo raras
excecpções, mas isso também tem que ver com a exigência das pessoas. Podes
estar apaixonada a vida toda se o teu critério for encontrar um homem simpático
e trabalhor ou honesto e com um six-pack
– mas o six-pack perde-se com a idade
e as pessoas esquecem-se disso.
A.R.: Quais são os teus critérios?
F.P.: Carinhosa, estável, equilibrada, que ame a família e se dê
muito bem, com sentido de humor, com classe e charme. Bem-sucedida
profissionalmente, sóbria – não falo de álcool – que só dê confiança aos mais
próximos, que adore a minha filha e a trate (quase) como sua. Deve querer o
mesmo que eu – por exemplo, casa e local – e deve ser independente o suficiente
para fazer as suas coisas enquanto eu faço as minhas. Ultra fiel, que me faça
sentir o homem da sua vida desde sempre e para sempre “o tal”, que se dê bem
com os meus pais e amigos. Cada uma destas coisas quer dizer cinco, porque as
associo a muitas coisas boas. Tenho sempre relações longuíssimas – seis anos;
seis anos; cinco anos, quando me casei; – por ter estes critérios.
A.R.: O erro foi casar…
F.P.: O erro sou eu. As pessoas já não são iguais, para mim – já
não servem o seu propósito –, e eu quero coisas que não posso ter num
relacionamento. Todos mudamos uns com os outros. No início, deixamos de dormir para estar com a pessoa e depois, no fim,
queremos é dormir para não estar com a pessoa. Eu quero muito fazer o que
eu quero, porque só vivemos uma vez, quero muito fazer o que me apetece e não
me apetece muito fazer fretes, a não ser pela minha filha. E como não gosto de fazer
coisas contrariado, porque não me sinto feliz, e acredito que as outras pessoas
não se devem sentir felizes com a minha infelicidade, acho que ninguém ganha
com aquilo. Acho que estou a ocupar o tempo de pessoas que podiam ser felizes
com outras. Acho que é injusto. Ainda agora, como tu sabes, vou ter um almoço
com um grupo de amigos do WhatsApp
que se chama “Só as gordas é que sabem”
e os almoços são épicos, mas somos homens, somos amigos e fala-se de muita
coisa que pode ser chocante para senhoras. Não é que os homens não levem as
mulheres, mas é que somos realmente muito ordinários e somos buçais e não acho
que se coadune com a companhia feminina. Neste caso, é mais por isso – não é o “lá vão eles e as mulheres ficam em casa”.
"No início, deixamos de dormir para estar com a pessoa e depois, no fim,
queremos é dormir para não estar com a pessoa."
A.R.: Seria isso uma forma de machismo paternalista?
F.P.: Pode ser paternalista, mas não acho que seja machismo.
Sempre que estou com a minha filha, abro-lhe a porta e digo “primeiro as senhoras”. Ela passa. Claro
que, se estiver com uma senhora, faço o mesmo – sem o dizer. Eu sinto-me bem a
dizer isto à minha filha. Podes dizer que é paternalista. Não te sei dizer
isso. Não é. Eu acho é que eu gosto de fazer isto; sinto-me bem. Agora, acho
também que não se deve fazer o contrário.
A.R.: Extremar? Podemos continuar a ser gentis.
F.P.: Claro!, eu sou gentil na mesma com as pessoas. Acho que há
alguns problemas com algumas coisas em particular, em que as pessoas deixam de
pensar, deixam de racionalizar sobre coisas como abrir as portas às senhoras.
Há qualquer coisa, como se lhes metessem um dedo no rabo – “não precisamos que nos abram as portas!”, “nós sabemos abrir as portas!” –, e a igualdade de género não é
isso. Nós não somos todos iguais.
Particularizem, não generalizem. Nisto, como em tudo na vida. Não há uma acção
que despolete uma reacção universal. Não nos coloquem a todos na mesma
gavetinha dos homens que vos abrem a porta.
"Nós não somos todos iguais.
Particularizem, não generalizem. Nisto, como em tudo na vida. Não há uma acção
que despolete uma reacção universal. Não nos coloquem a todos na mesma
gavetinha dos homens que vos abrem a porta."
A.R.: Então a luta pela igualdade do género está a mover o
preconceito para o outro lado do balança?
F.P.: Eu acho que se exagera. Acho que se exagera, obviamente,
quando se fala de um cartão de cidadão e de um cartão de cidadã – mas se for
para ser… É! Eu acho é que há coisas muito mais importantes.
A.R.: O quê, por exemplo?
F.P.: Os homens ganharem mais do que as mulheres. Eu sou a favor
de que toda a gente seja igual. Para mim
há critérios que não têm que nada que ver com género e orientação sexual, têm
que ver com meritocracia. Só.
"Para mim
há critérios que não têm que nada que ver com género e orientação sexual, têm
que ver com meritocracia."
A.R.: Em que é que tu és melhor do que os outros?
F.P.: Eu não sou melhor do que os outros no meu trabalho, sou um
dos melhores. Eu tenho menos opções mas
mais paixão. Eu não vou tirar um curso de fotografia no próximo verão, um curso
de teatro daqui a dois e aprender a bordar daqui a três anos. Há quatro ou
cinco coisas de que eu gosto de fazer e esse é o meu foco. Eu acredito que
nascemos com aptidões naturais, que podem ou não ser exponenciadas, e é muito
triste saber que há quem não goste daquilo que, profissionalmente, está a
fazer. Dá-me pena. Quando é por opção da pessoa, acho que é estúpido e
merece ser infeliz. Quando não é, tenho imensa pena. Acredito que somos todos
muito bons em alguma coisa. Eu gosto de
ser o melhor naquilo que faço e sinto que estou lá em cima – pelo meu currículo,
não é uma opinão, não sou eu que acho. É uma coisa de que me orgulho muito de
poder dizer à minha filha. No futuro.
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