Pedro Chagas Freitas – 29
de Setembro de 1979, Guimarães – tem 26 livros publicados. Desses, pelo menos
17 foram financiados por si, em diferentes editoras. Em 2010 publicou 10: foram
10 livros publicados num só ano. A obra Prometo Falhar, 2014, aproxima-se agora
de um milhão de vendas. Para as apresentações dos livros, Pedro Chagas Freitas
enviava e-mails a caras conhecidas –
que não o conheciam – e algumas aceitavam o desafio: Francisco Penim, Gustavo
Santos, Carlos Alberto Moniz, Adolfo Luxúria Canibal… Como se pode ler na
Sábado, o objectivo era simples, conquistar visibilidade. Conquistou.
Em
Dezembro de 2018, Frederico Pombares – argumentista que participou na escrita
do Roast Toy – escreveu no Instagram: “A vantagem de trabalharmos com pessoas inteligentes é esta (…). O
Pedro revelou-se uma brilhante surpresa. Não só se tornou dono do texto como a
sua entrega foi irrepreensível. Deu-se à morte, para depois se revelar um
sniper. Respeito.”
Fiquei curiosa. Enviei-lhe um e-mail a pedir-lhe uma
entrevista. Pedro Chagas Freitas prontamente aceitou. Ontem, no Hospital Pedro
Hispano, encontramo-nos e o Pedro deu-me a entrevista com um bebé de um ano – o
filho, Benjamim – no colo. Perguntaram-me hoje, por causa da fotografia, se sou
uma grande fã do Pedro Chagas Freitas – o autor. Não sou. Estou feliz pela
oportunidade de partilhar o momento de ascensão de mais um protagonista. O Pedro Chagas Freitas não desiste.
Ana Rocha:
Quem é o Pedro Chagas Freitas?
Pedro Chagas Freitas:
Um gajo que escreve cenas. Se fosse isso o que nos define, seria isso, mas eu
julgo que não: julgo que ninguém sabe quem é, verdadeiramente. Tento ser uma
pessoa e já não é pouco. Pensamos que ser pessoa é algo que sabemos instintivamente
mas, às vezes, precisamos de contrariar instintos e de ser capazes de ser uma pessoa
nesse sentido: o de nunca ferir com a intenção, por exemplo, julgo que isso já
nos define. O sermos capazes de ter empatia, connosco e com os outros.
"Tento ser uma
pessoa e já não é pouco. Pensamos que ser pessoa é algo que sabemos instintivamente
mas, às vezes, precisamos de contrariar instintos e de ser capazes de ser uma pessoa
nesse sentido: o de nunca ferir com a intenção, por exemplo, (...)."
A.R.:
Numa entrevista diz considerar-se autor, não escritor. Qual é a diferença?
P.C.F.:
Autor soa a alguém que inventa – já não digo que escreve porque gosto de fazer
outras coisas para além de escrever. Porque é que não digo que sou escritor? Pela
representação da criatura iluminada que tem um dom que os outros não têm. Eu
não sinto nada disso. Não acho que tenha um dom, não acho que seja iluminado,
não me considero um escritor nesse sentido. Se o escritor for alguém que
escreve coisas, sim, sou escritor; se for alguém iluminado, não sou escritor.
Os jovens, sobretudo, têm a ideia de que a escrita é difícil e extraordinária –
mas para escrever não precisamos disso.
A.R.:
Não é preciso um dom?
P.C.F.:
Não, não é preciso dom nenhum.
A.R.:
Mas ajuda?
P.C.F.:
Eu não acredito que seja necessário o dom. A minha forma de escrever é, de
facto, única mas a forma de escrever de cada um de nós é única porque a nossa
perspectiva é única. Só faz sentido assim, somos pessoas e somos diferentes. O
que escrevo é diferente, mas não me sinto iluminado e não sinto que nasci para
escrever.
A.R.:
Então para o que é que nasceu? Qual é o seu propósito de vida?
P.C.F.:
Eu nasci para amar, para rir, para me divertir. Eu quero acreditar que nasci para
isso, para aproveitar todas as oportunidades que a vida tem para me dar. Aliás,
até seria triste pensar que nasci para trabalhar ou para escrever livros.
A.R.:
É uma pessoa realizada?
P.C.F.:
Não, nunca, nunca… Espero nunca ser. Estou muito longe de estar realizado. Tenho
momentos em que penso que, de facto, valeu a pena e fiz bem – mas estou a
milhas de estar realizado, espero eu, tenho tanta coisa para fazer ainda.
"Hoje,
sobretudo com as redes sociais e com o voyerismo,
pensa-se que ser famoso é uma profissão. Eu nunca quis ser famoso. Mas eu
preciso, para ter leitores, de ter visibilidade."
A.R.:
Marketing Pessoal: narcisismo ou de
protagonismo?
P.C.F.:
Depende do objectivo do Marketing
Pessoal.
A.R.:
No seu caso…
P.C.F.:
No meu caso, o objectivo era ter leitores. Não é uma questão de narcisismo.
Acaba por ser sobre protagonismo porque preciso de visibilidade.
A.R.:
Publicou mais de 20 livros. Pelo menos 17 desses livros foram financiados por
si, em diferentes editoras. Em 2010 publicou 10. Foram 10 livros publicados num
só ano. Os que o criticam, conhecem-lhe o percurso?
P.C.F.:
Este é o 26º livro. Eu não faço ideia do que as pessoas pensam ou sabem. O que
eu sei é o que eu fiz, faço e o que eu gosto de fazer. Isso eu sei e domino. O
resto não é nada que me preencha. Quando digo que não estou realizado, não tem
que ver com o que os outros acham daquilo que eu faço, falo de realização na
minha relação comigo mesmo. Acho que posso fazer melhor. É só isso. Hoje,
sobretudo com as redes sociais e com o voyerismo,
pensa-se que ser famoso é uma profissão. Eu nunca quis ser famoso. Mas eu
preciso, para ter leitores, de ter visibilidade.
A.R.:
Quis tornar-se numa marca?
P.C.G.:
Não tomei essa decisão, um dia, mas quando penso sobre um autor, penso sobre um
conjunto de características – e o autor é uma marca nesse sentido. A minha
ideia foi sempre a de ter leitores. Eu fui à procura dos leitores e usei os
instrumentos que tenho à mão para chegar aos meus leitores. Uma coisa é
consequência da outra. Eu acredito que
um livro só existe quando tem um leitor, pelo menos.
"Eu acredito que
um livro só existe quando tem um leitor, pelo menos."
A.R.:
Massificar a obra não é precisamente o factor que contribui para que lhe desvalorizem
o trabalho?
P.C.F.:
Precisa de perguntar a essas pessoas, eu não faço ideia. É um desperdício. Eu
estou tão entretido a fazer aquilo de que gosto que não faz sentido perder
tempo a pensar nisso.
A.R.:
O que é que sentiu quando o convidaram para participar no Roast Toy?
P.C.F.:
Primeiro fiquei surpreendido, depois adorei. O Roast é, de facto, um conceito fantástico que agora está a chegar a
Portugal em força. Espero que continue. Surpreendido porque não sou humorista
e, à partida, seriam os humoristas que participariam – no Roast Toy, só eu e a Joana Amaral Dias é que éramos de outra área. Adorei
porque o Roast é uma espécie de Fight Club, uma espécie de limpeza de alma
e é único. Recomendo, quem nunca participou ou assistiu a um Roast, a fazê-lo. A partir daí não há
desafios.
A.R.:
Como é que se sentiu, no momento?
P.C.F.:
Foi único. Foi tão maravilhoso que agora decidi fazer um espetáculo também.
Adorei. Adorei aquele momento em palco. Adorei o momento de atacar os outros.
Adorei o momento de ser atacado. Estávamos ali seis ou sete pessoas a
insultarmo-nos a uns aos outros de forma, espero eu, interessante. É uma
lavagem de alma inacreditável. Recomendo, recomendo. O mais incrível é que toda
a gente sai de um Roast feliz e
valorizada. Eu fiquei fã de cada uma das pessoas que participaram e eles passaram
o tempo todo a falar mal de mim. Estou vacinado para tudo.
A.R.:
Frederico Pombares, depois do Roast Toy,
fez uma publicação em que escreveu que lhe admira a inteligência porque teve a
capacidade de se dar à morte para depois se revelar um sniper.
Pedro Chagas Freitas
[interrompe]: Definição brilhante!
A.R.:
Subestimarem-lhe a inteligência é a sua vantagem competitiva?
P.C.F.:
Não é uma competição. Não faço ideia. Eu respeito quem não tem preconceitos e quem
vê pelos seus olhos. Se o fazem e dizem-me que não gostam os meus livros, eu
respeito. Se é por preconceito… O preconceito é uma forma de burrice.
"O preconceito é uma forma de burrice."
A.R.:
Quem é que não gosta mesmo de ler?
P.C.F.:
Não vou dizer. Se fosse um Roast…
A.R.:
Perguntava-lhe se subestimarem-lhe a inteligência é a sua vantagem competitiva
e, nesse contexto, porque li numa entrevista que os homens pedem-lhe conselhos com
frequência, gostava de saber a sua opinião: os homens sobrestimam o que as
mulheres sentem por eles e subestimam o que as mulheres fazem sem eles?
P.C.F.:
Não faço ideia. Digo para fazerem o que pensarem que é melhor. Não sou um guru,
sou um anti-guru, não sou um especialista em questões amorosas. Eu escrevo. Sou
autor.
A.R.:
Os homens precisam de mudança, transformação ou ruptura?
P.C.F.:
Não sei responder. Eu acho que os homens, assim como as mulheres, precisam de
amor.
A.R.:
O que é o amor?
P.C.F.:
É a minha capacidade de olhar para o outro e dar o meu melhor em nome dessa
pessoa porque me faz bem também. É altruísmo.
A.R.:
Escreve sobre amor e vende – muito. Significa isso que o amor, na
hipermodernidade, orienta-se pela lógica do consumo?
P.C.F.:
A minha visão é pessoal e não estudei o assunto. O que eu sinto é que as
tecnologias são uma ferramenta e é o uso que porventura pode orientar-se pela
lógica do consumo. O problema não é a ferramenta. É o uso que se faz dela. Nesse
sentido, o amor pode ser um produto.
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