sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

PEDRO CHAGAS FREITAS


Pedro Chagas Freitas – 29 de Setembro de 1979, Guimarães – tem 26 livros publicados. Desses, pelo menos 17 foram financiados por si, em diferentes editoras. Em 2010 publicou 10: foram 10 livros publicados num só ano. A obra Prometo Falhar, 2014, aproxima-se agora de um milhão de vendas. Para as apresentações dos livros, Pedro Chagas Freitas enviava e-mails a caras conhecidas – que não o conheciam – e algumas aceitavam o desafio: Francisco Penim, Gustavo Santos, Carlos Alberto Moniz, Adolfo Luxúria Canibal… Como se pode ler na Sábado, o objectivo era simples, conquistar visibilidade. Conquistou.
Em Dezembro de 2018, Frederico Pombares – argumentista que participou na escrita do Roast Toy – escreveu no Instagram: “A vantagem de trabalharmos com pessoas inteligentes é esta (…). O Pedro revelou-se uma brilhante surpresa. Não só se tornou dono do texto como a sua entrega foi irrepreensível. Deu-se à morte, para depois se revelar um sniper. Respeito.” 
Fiquei curiosa. Enviei-lhe um e-mail a pedir-lhe uma entrevista. Pedro Chagas Freitas prontamente aceitou. Ontem, no Hospital Pedro Hispano, encontramo-nos e o Pedro deu-me a entrevista com um bebé de um ano – o filho, Benjamim – no colo. Perguntaram-me hoje, por causa da fotografia, se sou uma grande fã do Pedro Chagas Freitas – o autor. Não sou. Estou feliz pela oportunidade de partilhar o momento de ascensão de mais um protagonista. O Pedro Chagas Freitas não desiste.

Ana Rocha: Quem é o Pedro Chagas Freitas?
Pedro Chagas Freitas: Um gajo que escreve cenas. Se fosse isso o que nos define, seria isso, mas eu julgo que não: julgo que ninguém sabe quem é, verdadeiramente. Tento ser uma pessoa e já não é pouco. Pensamos que ser pessoa é algo que sabemos instintivamente mas, às vezes, precisamos de contrariar instintos e de ser capazes de ser uma pessoa nesse sentido: o de nunca ferir com a intenção, por exemplo, julgo que isso já nos define. O sermos capazes de ter empatia, connosco e com os outros. 

"Tento ser uma pessoa e já não é pouco. Pensamos que ser pessoa é algo que sabemos instintivamente mas, às vezes, precisamos de contrariar instintos e de ser capazes de ser uma pessoa nesse sentido: o de nunca ferir com a intenção, por exemplo, (...)."

A.R.: Numa entrevista diz considerar-se autor, não escritor. Qual é a diferença?
P.C.F.: Autor soa a alguém que inventa – já não digo que escreve porque gosto de fazer outras coisas para além de escrever. Porque é que não digo que sou escritor? Pela representação da criatura iluminada que tem um dom que os outros não têm. Eu não sinto nada disso. Não acho que tenha um dom, não acho que seja iluminado, não me considero um escritor nesse sentido. Se o escritor for alguém que escreve coisas, sim, sou escritor; se for alguém iluminado, não sou escritor. Os jovens, sobretudo, têm a ideia de que a escrita é difícil e extraordinária – mas para escrever não precisamos disso.
A.R.: Não é preciso um dom?
P.C.F.: Não, não é preciso dom nenhum.
A.R.: Mas ajuda?
P.C.F.: Eu não acredito que seja necessário o dom. A minha forma de escrever é, de facto, única mas a forma de escrever de cada um de nós é única porque a nossa perspectiva é única. Só faz sentido assim, somos pessoas e somos diferentes. O que escrevo é diferente, mas não me sinto iluminado e não sinto que nasci para escrever.
A.R.: Então para o que é que nasceu? Qual é o seu propósito de vida?
P.C.F.: Eu nasci para amar, para rir, para me divertir. Eu quero acreditar que nasci para isso, para aproveitar todas as oportunidades que a vida tem para me dar. Aliás, até seria triste pensar que nasci para trabalhar ou para escrever livros.
A.R.: É uma pessoa realizada?
P.C.F.: Não, nunca, nunca… Espero nunca ser. Estou muito longe de estar realizado. Tenho momentos em que penso que, de facto, valeu a pena e fiz bem – mas estou a milhas de estar realizado, espero eu, tenho tanta coisa para fazer ainda.

"Hoje, sobretudo com as redes sociais e com o voyerismo, pensa-se que ser famoso é uma profissão. Eu nunca quis ser famoso. Mas eu preciso, para ter leitores, de ter visibilidade."

A.R.: Marketing Pessoal: narcisismo ou de protagonismo?
P.C.F.: Depende do objectivo do Marketing Pessoal.
A.R.: No seu caso…
P.C.F.: No meu caso, o objectivo era ter leitores. Não é uma questão de narcisismo. Acaba por ser sobre protagonismo porque preciso de visibilidade.
A.R.: Publicou mais de 20 livros. Pelo menos 17 desses livros foram financiados por si, em diferentes editoras. Em 2010 publicou 10. Foram 10 livros publicados num só ano. Os que o criticam, conhecem-lhe o percurso?
P.C.F.: Este é o 26º livro. Eu não faço ideia do que as pessoas pensam ou sabem. O que eu sei é o que eu fiz, faço e o que eu gosto de fazer. Isso eu sei e domino. O resto não é nada que me preencha. Quando digo que não estou realizado, não tem que ver com o que os outros acham daquilo que eu faço, falo de realização na minha relação comigo mesmo. Acho que posso fazer melhor. É só isso. Hoje, sobretudo com as redes sociais e com o voyerismo, pensa-se que ser famoso é uma profissão. Eu nunca quis ser famoso. Mas eu preciso, para ter leitores, de ter visibilidade.
A.R.: Quis tornar-se numa marca?
P.C.G.: Não tomei essa decisão, um dia, mas quando penso sobre um autor, penso sobre um conjunto de características – e o autor é uma marca nesse sentido. A minha ideia foi sempre a de ter leitores. Eu fui à procura dos leitores e usei os instrumentos que tenho à mão para chegar aos meus leitores. Uma coisa é consequência da outra.  Eu acredito que um livro só existe quando tem um leitor, pelo menos. 

 "Eu acredito que um livro só existe quando tem um leitor, pelo menos."

A.R.: Massificar a obra não é precisamente o factor que contribui para que lhe desvalorizem o trabalho?
P.C.F.: Precisa de perguntar a essas pessoas, eu não faço ideia. É um desperdício. Eu estou tão entretido a fazer aquilo de que gosto que não faz sentido perder tempo a pensar nisso.
A.R.: O que é que sentiu quando o convidaram para participar no Roast Toy?
P.C.F.: Primeiro fiquei surpreendido, depois adorei. O Roast é, de facto, um conceito fantástico que agora está a chegar a Portugal em força. Espero que continue. Surpreendido porque não sou humorista e, à partida, seriam os humoristas que participariam – no Roast Toy, só eu e a Joana Amaral Dias é que éramos de outra área. Adorei porque o Roast é uma espécie de Fight Club, uma espécie de limpeza de alma e é único. Recomendo, quem nunca participou ou assistiu a um Roast, a fazê-lo. A partir daí não há desafios.
A.R.: Como é que se sentiu, no momento?
P.C.F.: Foi único. Foi tão maravilhoso que agora decidi fazer um espetáculo também. Adorei. Adorei aquele momento em palco. Adorei o momento de atacar os outros. Adorei o momento de ser atacado. Estávamos ali seis ou sete pessoas a insultarmo-nos a uns aos outros de forma, espero eu, interessante. É uma lavagem de alma inacreditável. Recomendo, recomendo. O mais incrível é que toda a gente sai de um Roast feliz e valorizada. Eu fiquei fã de cada uma das pessoas que participaram e eles passaram o tempo todo a falar mal de mim. Estou vacinado para tudo.
A.R.: Frederico Pombares, depois do Roast Toy, fez uma publicação em que escreveu que lhe admira a inteligência porque teve a capacidade de se dar à morte para depois se revelar um sniper.
Pedro Chagas Freitas [interrompe]: Definição brilhante!
A.R.: Subestimarem-lhe a inteligência é a sua vantagem competitiva?
P.C.F.: Não é uma competição. Não faço ideia. Eu respeito quem não tem preconceitos e quem vê pelos seus olhos. Se o fazem e dizem-me que não gostam os meus livros, eu respeito. Se é por preconceito… O preconceito é uma forma de burrice.

 "O preconceito é uma forma de burrice."

A.R.: Quem é que não gosta mesmo de ler?
P.C.F.: Não vou dizer. Se fosse um Roast…
A.R.: Perguntava-lhe se subestimarem-lhe a inteligência é a sua vantagem competitiva e, nesse contexto, porque li numa entrevista que os homens pedem-lhe conselhos com frequência, gostava de saber a sua opinião: os homens sobrestimam o que as mulheres sentem por eles e subestimam o que as mulheres fazem sem eles?
P.C.F.: Não faço ideia. Digo para fazerem o que pensarem que é melhor. Não sou um guru, sou um anti-guru, não sou um especialista em questões amorosas. Eu escrevo. Sou autor.
A.R.: Os homens precisam de mudança, transformação ou ruptura?
P.C.F.: Não sei responder. Eu acho que os homens, assim como as mulheres, precisam de amor.
A.R.: O que é o amor?
P.C.F.: É a minha capacidade de olhar para o outro e dar o meu melhor em nome dessa pessoa porque me faz bem também. É altruísmo.
A.R.: Escreve sobre amor e vende – muito. Significa isso que o amor, na hipermodernidade, orienta-se pela lógica do consumo?
P.C.F.: A minha visão é pessoal e não estudei o assunto. O que eu sinto é que as tecnologias são uma ferramenta e é o uso que porventura pode orientar-se pela lógica do consumo. O problema não é a ferramenta. É o uso que se faz dela. Nesse sentido, o amor pode ser um produto.



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