sábado, 3 de dezembro de 2016

GODMESS: A MULTIDISCIPLINARY ARTIST



Ana Rocha: Quem é o Godmess?
Godmess: Quem é o Godmess… O Godmess é um projecto. No graffiti toda a gente tem um nickname e eu tinha um: Go Mes. Há ali um momento, no entanto, em que começo a desenvolver um conjunto de ilustrações, grafismos e conceitos que são mais ou menos coesos e que têm uma linguagem comum e deixo de me identificar com o nome. Sinto que preciso de algo que represente o que estou a fazer. O Godmess é isso. Surge como projecto e torna-se num nome. As estórias e as ideias que eu trabalho, antes mais desconexas, começam a ganhar a forma e precisam de identidade. O Godmess traz essa identidade.


A.R.: Como é que tudo começou?
G.: Tudo começou com o graffiti. Eu andava na Francisco Torrinha, afastado do centro da cidade, quando entro para a Soares dos Reis e vejo montes de coisas a acontecer. Na minha turma havia dois rapazes que já pintavam e, por viver isso de perto, com eles, inscrevi-me num workshop dos Maniaks. Uma semana depois, esses rapazes convidaram-me para pintar. A partir daí, todos os fins-de-semana eram destinados às experiências em fábricas abandonadas, principalmente em Gaia - mas também no Porto. Não tínhamos autorização para pintar nessas fábricas, mas avançávamos os muros e passávamos lá tardes inteiras a pintar coisas ridículas. Eram dias eram incríveis, e havia trabalhos incríveis! As fábricas eram o céu… Entretanto, fazia Design Gráfico na Soares dos Reis – que escolhi pela vertente do desenho.
A.R.: Porquê a Soares dos Reis?
G.: Ironicamente, eu estava indeciso entre Desporto e Arquitectura quando me falaram nessa escola (precisamente pela componente de desenho). Fiquei curioso, fui lá fazer uma visita e candidatei-me. Na altura não tinha muita informação, mas falaram-me tão bem da escola… Além disso, estava localizada no centro do Porto e eu só vinha aqui aos Domingos. Eu sou de Lordelo do Ouro, não é longe – também não é no centro. Então, eu costumava ir para a zona da Foz. Centro, só ao fim-de-semana para ir à feira dos pássaros ou, então, à Vandoma. Não me lembro de ir ao centro com regularidade e, na altura, isso foi mesmo aliciante.
A.R.: Supondo que tenhas concluído o secundário… O que fizeste depois?
G.: Na altura não concluí. Fiquei com uma disciplina por fazer. Mais tarde, entrei em Multimédia, na Faculdade de Belas Artes, Universidade do Porto, mas não gostei: fiz parte do segundo ano e saí. Não era para mim. O racional teórico é, ainda, muito fechado: pintar com spray, por exemplo, para alguns professores, é alienismo. (…) Alguns aconselharam-me a continuar. E continuei: saí, e continuei a fazer trabalhos.
A.R.: De Design?
G.: Não, de pintura. Os meus primeiros trabalhos foram com o Kinörm, o baterista dos Ornatos Violeta. Ele é ilustrador e pintor e apostou em mim – convidou-me para trabalhar com ele. Eu tinha um interesse velado pelo graffiti e a street art não me interessava. Foi ele que ma mostrou.
A.R.: Qual é a diferença entre o graffiti e a street art?
G.: O termo graffiti é frequentemente utilizado como sinónimo de graffiti e de street art, mas o graffiti tem uma identidade e regras das quais a street art se afastou. Graffiti são letras com regras e uma atitude que a street art não tem: interessa pintar muito; interessa ser rude. A street art é mais abrangente: pintura e instalação; projecção e performance. (…) A verdade é que, pela sua essência, eu nunca me identifiquei muito com o graffiti e, por isso, pintava em fábricas, e não na rua. Aqui que está o contraponto entre o graffiti e a street art: o street artist tem cuidado no modo de aplicar aplica a sua arte.



A.R.: Como é que acontece a transição dessas experiências para trabalho?
G.: Recebo, e recebia, contactos de empresas de particulares: comecei por coisas pequenas – paredes de salas e de hostels, workshops, projetos sociais – e hoje faço exposições. Este ano já estive em Berlim e na Lituânia.(…) Mas faço, também, muitas coisas ilegais.
A.R.: A evolução da street art no Porto é resultado de um processo gradual? Tenho a impressão – não sei se certeira – de que nos últimos anos, mais do que um desenvolvimento graduado, se tem registado um boom.
G.: O Rui Rio, anterior presidente da Câmara Municipal do Porto, desvalorizava questões relacionadas com a arte urbana e com a cultura da cidade mas, no final do mandato, (quase) instituiu a arte urbana como crime. A cidade ficou, então, “limpa” e a arte urbana era quase inexistente. Com a entrada do Rui Moreira legalizaram-se murais, fizeram-se projetos e propuseram-se acordos com os artistas.
A.R.: A street art, assim como o fast fashion, é uma tendência que se regista agora e que, em poucos anos, nos vai fartar?
G.:  Não – não, pelo menos, para já. A street art continua a dar que falar: vêem-se artistas a viajar pelo mundo, vêem-se exposições e vê-se um trabalho que vale cada vez mais dinheiro. Não será, portanto, uma tendência a curto prazo: (a existir) será uma tendência com mais de dez ou vinte anos. Quando, lá fora, se perceber que vai abrandar, à partida, o nosso país viverá o apogeu. São suposições – mas podemos fazer esta analogia. Além disso, no nosso país, muito está ainda por fazer. E se calhar, porque não somos tantos, a coisa não se vai reduzir aos grafitters: o trabalho de intervenção vai incluir designers, ilustradores, artistas contemporâneos... Então, o movimento pode ter uma abordagem diferente e uma longevidade maior.
A.R.: A propósito da arte contemporânea: que dizer sobre o preconceito? 
G.: Acho que há, por parte daqueles que fazem arte contemporânea e que estudam arte contemporânea preconceito. Mais em Portugal – lá fora, os preconceitos são mais diluídos. É que a street art, ao contrário da arte contemporânea, está ao dispor do ensejo de cada um: estar rua é ser artista. Esse é um ponto de confronto que os desagrada porque, defendem, a street art, ao contrário da arte contemporânea, é muito fácil de digerir. Não é! Muitos artistas exploram isso, e têm trabalhos reflexivos (…), não lhes chamo conceptuais para não chatear ninguém.



A.R.: Que mensagem tentas transtimir?
G.: Não gosto muito de falar do meu trabalho porque toca, frequentemente, em estórias de pessoas que me são próximas. Em todo o caso, estórias de amor – quem não as vive? –, são universais.
A.R.: As tuas intervenções são sobre amor?
G.: Grande parte, sim, é a maior fonte de inspiração. Seja lá o que isso for.
A.R.: És romântico?
G.: Não sei se vivo muito desse romantismo. Sou uma pessoa muito terra-a-terra. Não que o romantismo não possa ser terra-a-terra, mas não é por aí: não sou deslumbrado, nem fantasioso por natureza. O meu trabalho é mais… Um diário ilustrado sobre a vida.
A.R.: Dos outros…
G.: Sobre a vida. Dos outros e da minha, também. Inspiro-me em coisas que acontecem comigo, com os outros e em coisas que acontecem com os outros e que se relacionam comigo (ou não). O eu, por si só, não é suficiente para trabalhar.
A.R.: Quem é que te inspira? Que artistas?
G.: Colectivo Rua, SEM, Hazul (…), outros mais. Não são sempre os mesmos. Há artistas com quem me identifico apenas por fases.
A.R.: A street art pode ser um agente de mudança social?
G.: Sim, e tem sido usada para: as autarquias têm recorrido à street art para intervir em espaços que, pela sua natureza, tornam difícil a implementação de mudanças sociais. O princípio aplica-se à arte em geral, mas é possível que a street art demonstre, de momento, maior preocupação.
A.R.: Como descreverias aquilo que fazes, numa frase?
G.: Sou um artista multidisciplinar.
A.R.: Por onde podemos acompanhar os teus projetos?
G.: Facebook, Instagram, Tumblr, Tictail: as minhas contas nas redes sociais estão todas associadas umas às outras. O Instagram é, de momento, aquela pela qual tenho preferência.

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