Ana Rocha: Quem é a Katty Xiomara?
Katty Xiomara: Sou Designer
de Moda, tenho 43 anos e fiz a formação de Design de Moda aqui no Porto – antigo CITEX, agora MODATEX. Logo
após acabar o curso surgiram algumas oportunidades e acabei por, de certa forma,
entrar no mundo da moda (quase) sem passar, assim o digamos, pelo trabalho
prévio de empresa, de elaboração de colecções para outros. No fundo, fui
fazendo sempre isso, mas sempre a título pessoal – não através de.
A.R.: Por outras palavras, quando acabou o curso, os trabalhos começavam
já com o seu nome?
K.X.: Sim. Houve, eventualmente, alguns trabalhos que fiz para
coleções de vestuário infantil mas aí, inclusive, ainda era aluna. A minha
ideia inicial era a de tirar o curso de Design
de Moda e o curso de Design Gráfico
mas, realmente, as oportunidades foram surgindo e foram surgindo no sentido de
elaborar uma marca própria. A verdade é também que, inicialmente, não dedicava
muito tempo à marca própria ou ao projecto de marca própria – a coisa foi se
desenvolvendo de uma forma um bocado espontânea, sem muita preparação – porque
para conseguir manter essa ideia e aproveitar, simultaneamente, as
oportunidades que surgiam, tinha que fazer muitos outros trabalhos paralelos: fazia
colecções para outras marcas, fazia prestação de serviços, fazia produção
fotográfica, enfim, fazia uma série de outros serviços sempre relacionados com
a moda e com a área da ilustração para, de alguma forma, ter um suporte que me
permitisse pensar no projecto de marca. Só a partir de 2005, penso, é que a
marca começou a tomar um percurso mais profissional.
A.R.: Doze anos depois – estamos em 2017 – porquê o Antigo
Matadouro Industrial do Porto?
K.X.: Já tínhamos pensado no Antigo Matadouro Industrial do
Porto para o desfile, mas as condições não eram as melhores e pensamos que, para
utilizar o espaço, teria que existir um motivo muito forte no apelo à sua utilização,
que não se poderia reduzir simplesmente ao contraste entre o aspecto industrial
– algo rude, seco e degradante – e a coleção. Esse contraste tinha piada e alguma
ironia – e, de certa forma, era isso que procurávamos – mas não podia ser só
isso, tinha que haver mais qualquer coisa, e achávamos que era o espaço
perfeito para intervir artisticamente. A colecção tem, então, por mote de
inspiração a Arte Decó e a particularidade do que é a Arte Decó em Miami, que deixa
de ser tão metálica, tão brilhante e tão austera para se tornar mais suave, com
linhas mais leves, mais agradáveis e mais comerciais, de cores mais aciduladas,
mais adocicadas, mais vivas, mas quase que sobre um filtro de leveza. Esta
peculiaridade da Arte Decó, de espírito miameiro – o espírito dos folhos, do
som, do movimento – remete aos anos 50, quando Miami começa a receber toda a
imigração caribenha, e o Bairro de Wynwood – um espaço do agora, pautado pela arte
urbana que se espalha pelo distrito – não é Arte Decó mas é a nova manifestação
artística de Miami, pelo que faz todo o sentido a comparação com o espaço que
recriámos no matadouro. Por outras palavras, o Antigo Matadouro Industrial do
Porto apareceu como local ideal para (re)criar um pequeno Wynwood. O mural de 60 metros foi intervencionado por 14 artistas
diferentes que não contactamos directamente porque encontramos o interlocutor
perfeito: a Circus Network. Agência
de todos eles, a Circus Network serviu de elo entre os artistas na distribuição
de horários e na conjugação do trabalho. Dizer que houve apoio da Barbot nas
tintas – seria realmente o maior investimento –, e dos artistas, que aceitaram
participar a custo zero. Tudo o resto foi questão de parcerias, parceiros e
pessoas que quiseram colaborar com o evento e com o espaço. A ideia, que
parecia utópica, porque algumas pessoas acreditaram, tornou-se possível.
A.R.: Porquê fugir ao que é o standard do Portugal Fashion?
K.X.: Achamos que é importante porque conseguimos mostrar a
ideia e a história que servem de mote à colecção que, desta forma, não se confunde
e não se dilui com o resto. Em todo o caso, é um trabalho moroso e que nem
sempre é possível e que exige bastante tempo de nossa parte e um esforço monetário
dispensável no espaço tradicional. (…) Tem valido a pena: os resultados têm
sido satisfatórios e impactantes. As pessoas têm permanecido com os desfiles na
memória, com as ideias, e muitas delas, sem necessidade própria de recorrer aos
press releases, acabam por perceber o
conceito da colecção, ainda que não de forma explícita. Isso é interessante porque
é justamente isso que nós procuramos – que as pessoas sintam mais do que o
desfile – porque desfiles, cada vez há mais, o mercado está altamente competitivo,
e não sei até que ponto não será, colocando-me no lugar do público, enfadonho
ver sempre o mesmo tipo de evento (roupas a passarem de um lado para o outro).
Por que não tentar transmitir emoções? Por que não tentar transmitir um pouco
mais? Às vezes não possível – na maior parte das vezes não é possível – mas
quando teimamos, abrimos uma janela, vemos que existe uma frincha, uma
oportunidade, e avançamos.
A.R.: Designer de moda ou artista?
K.X.: Não me considero artista.
A.R.: O desfile pode ser considerado um evento artístico?
K.X.: A intervenção, sim, é uma manifestação artística. De facto
estiveram 14 artistas a intervir naquela parede, mas não só por isso: pelo
conceito, em si, pelo resultado final, e pelo que tentamos dar às pessoas que o
foram ver. Agora, não me considero artista porque, primeiro, não tenho o
talento que tinham as pessoas que pintaram aquelas paredes e, segundo, o que eu
faço é pensado para funcionar. Sou Designer
de Moda. As peças que eu faço são para ser usadas, não são para ser admiradas,
e a arte nós admiramos. A partir do momento em que tem que ser utilizado tem
que ter outras funções, tem que permitir outras coisas que a arte não precisa
de permitir. A arte não tem essas, se assim o quisermos chamar, limitações,
esses pontos a ser preenchidos, essas características específicas que o Design de Moda tem. Não sou artista. Sou
Designer de Moda. Gostaria de ser, um
dia, mas para isso tinha que me libertar de muitas outras coisas e com certeza
teria que deixar aquilo que faço e passar por uma fase distinta.
A.R.: É profissionalmente realizada? Quando pequenina, imaginava
que ia tornar-se em quem é hoje?
K.X.: Não! (risos) Não, não, não. Não imaginava, mas não, ainda
não me sinto realizada, acho que ainda tenho muito por fazer.
A.R.: O que é que falta?
K.X.: Muito, muito, muito. Acho que falta ou seguir um caminho
distinto ou consolidar muito mais aquilo que eu tenho hoje em dia, mas não sou
relutante quanto a mudar de ares.
A.R.: Mudar de ares, deixar o mundo da moda, significativamente?
K.X.: Não são relutante a esse facto. Não agora, mas acho que
por vezes vamos sentido – por exemplo, por ter organizado este evento de uma
forma tão específica, que se calhar me deu ainda mais prazer do que fazer a
colecção – e vamos encontrando, ao longo da nossa vida, pontos que se vão
tornando mais interessantes e para os quais acabamos por sentir necessidade de
evoluir. Não agora, mas poderá ser uma possibilidade.
A.R.: Que relação podemos estabelecer entre os desfiles de Nova
Iorque e os desfiles em Portugal?
K.X.: Não podemos comparar: não podemos fazer o que fazemos
aqui, porque não estamos em casa e já tentamos mas os valores são exorbitantes
– mesmo com o apoio do Portugal Fashion.
No nosso país é mais fácil tentar a partir de apoios e patrocínios ainda que,
mesmo assim, não seja fácil que acreditem em nós: para este projecto pedimos
ajuda a muitas pessoas, a muitas organizações e, de algumas, não tivemos se
quer resposta, portanto, não é fácil. Lá fora é ainda mais difícil; é óptimo porque
dizemos que estamos num mercado diferente – estamos a apresentar a uma
plataforma internacional – e conseguimos abranger outro tipo de público, mas é
muito castrante porque não conseguimos fazer mais do que o ir e vir, ir e vir
e, a partir de certa altura, queremos dar mais e queremos fazer mais… Mas não é
possível.
A.R.: Que diferenças entre o público português e o público
americano?
K.X.: Bem, há a diferença óbvia de que lá temos muito mais público
americano (não só mas essencialmente) e aqui público mais local e há a
diferença que me parece maior que é a de que lá o público é mais especializado
do que cá. A lotação das salas – aqui são maiores – também contribui para um
público mais heterógeno: falo de estudantes, amigos e família e, depois então,
do público especializado (clientes, lojas, etc.). Qual é o que tem mais valor?
Acho que não faz sentido pensar nisso dessa forma: termos do nosso lado as
pessoas de quem gostamos é sempre bom, trabalhar em casa é sempre bom. São
situações distintas.
A.R.: Feminista?
K.X.: Em algumas situações é preciso sê-lo, mas não gosto de
extremismos, acho que não precisamos de chegar a extremos. Lembramo-nos do
preto e do branco e acho que muitas vezes nos esquecemos dos cinzentos – são
muitos! – que ocupam qualquer meio. As pessoas dizem que “para se ter caracter é preciso dizer sim ou não” e eu acredito nisso,
mas penso que muitas vezes se confunde o sim ou não com o não conseguir
estabelecer o equilíbrio e ter meias medidas. As meias medidas não significam
que ficamos no meio, não querem dizer que não temos opinião, significam que
conseguimos ver o panorama com todas as cores – não só a preto, não só a
branco, porque na verdade a preto não vemos nada e a branco também não – e, sem
outras cores e outros tons, não há contrastes.
A.R.: Cor favorita?
K.X.: Cor-de-laranja.
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