Ana Rocha: Quem é o Camilo Jaña?
Camilo Jaña: Sou um Chileno nascido em
Santiago com um percurso atribulado e peculiar que me trouxe até à Cozinha em
Portugal. Os meus pais separaram-se quando era muito novo e sempre vivi com o
meu pai, pelo que costumo dizer que a minha
costela de cozinha
vem do meu pai. Estávamos sempre
reunidos, em casa,
ao fim-de-semana, quando
era o meu pai que cozinhava.
Ele tinha estudado Direito em Paris, onde também vivemos, e aprendeu aquele
conceito de cozinha clássica e trabalhada em torno de um ingrediente, a partir
do qual passava horas a preparar a “festa toda”! Aí começou o meu interesse
pela cozinha, que se acentuou após a sua morte e a vinda da minha irmã para
Portugal. Tinha 15 anos e fiquei a viver sozinho, a cozinhar para mim e a
preparar todas as festas para os amigos. Perto dos 18 anos, comecei a trabalhar com um amigo que tinha
um restaurante. Entretanto, a minha família pressionava-me muito para estudar
e eu comecei a estudar
Design de Interiores.
A.R.: Como se cruzam o Design de
Interiores e a Gastronomia?
C.J.: Porque tenho
que mover espaços,
conceitos e interiores, quando comecei a estudar
Design de Interiores todos os meus projectos acabavam comigo a
desenvolver restaurantes. Eram sempre restaurantes: não
eram casas, não eram edifícios, eram sempre salas
de restauração. Então tomei
a decisão de não concluir
o curso de Design de Interiores para
estudar, por sua vez, Gastronomia. Estudei um ano.
Foi uma fase
horrível da minha
vida! Coisas típicas de um jovem meio à deriva e sem saber que destino
lhe dar. Um dia, decido que, porque tenho 25 anos, tenho
que atinar. Já se tinham
passado 10 anos, e muita água tinha passado
por baixo da ponte!
Retomo o contacto com
a minha irmã
e venho visitá-la ao Porto. No dia em que
chego, a minha irmã e o
marido convidaram-me a almoçar no Cafeína. Ao nosso lado
estava o Vasco Mourão.
Eu não sabia
muito bem o que ia fazer,
na altura estava a fazer
uma viagem para atinar.
Estava no Porto por tempo indeterminado – com visto
de turista – e, quando numa semana já tinha
corrido o Porto
todo, sem dinheiro, pedi ao meu cunhado para
falar com o Vasco
Mourão, porque eu queria fazer um estágio na cozinha. Fui para a cozinha do Cafeína. Adorei! – logo no primeiro dia em que
lá almocei fiquei encantado
com o ambiente – mas, quando
entrei na cozinha, fui super mal-tratado: passava
dias a descascar batatas. Eu atrapalhava as pessoas e não tinha praticado cozinha de forma
profissional. Em contrapartida, o meu gosto e
interesse pela cozinha
diferenciavam-me. Eu estudava cozinha, devorava livros,
tinha interesse e memórias
completamente diferentes das portuguesas e um ADN de sabores
diferente; era bastante irrequieto e tinha bastante energia e foco.
Qualquer coisa na minha personalidade, mais selvagem e mais aguerrida,
fez com que eu me tenha tornado fundamental para o restaurante pela altura em
que tinha regressado ao Chile. Eu tornei-me importante para o Cafeína
na altura em que já não
estava lá.
A.R.: Notava-se-lhe já a raça e a
personalidade na cozinha?
C.J.: Notava-se-me a raça e a personalidade porque sou “durão”, cresci com educação militar
e isso revelou-se uma mais valia para entrar numa cozinha. No Cafeína tive uma
ascensão fora do normal,
surgiu uma oportunidade e num ano e meio tornei-me no chef do restaurante.
A.R.: Tinha concluído a formação em
Gastronomia?
C.J.: Não! A parte formal de estudar não é comigo, posso estar horas a
fio a devorar livros ou a aprender com colegas, mas não me dou bem com o lado
institucional e obrigatório dos estudos. No
Cafeína, tornei-me chef de desenvolvimento – até
então não havia desenvolvimento de carta, de menus e de gastronomia – e, irrequieto como sou, porque nas
minhas folgas estava
no Cafeína e/ou
no Terra, comecei
a tornar-me mais completo como cozinheiro: mais
completo dentro da estrutura. Cozinhava no Terra, cozinhava Sushi, conhecia a Carta…
Tornei-me polivalente. Dois
ou três anos depois, o Vasco Mourão
abre a Fooding House
(actualmente a Casa Vasco) e eu torno-me responsável por um grupo
maior de pessoas.
Começo a liderar
equipas. Quando o Vasco
decide abrir o Portarossa, um restaurante de cozinha italiana, a equipa é ainda maior e, nesta altura, começo
a ter também o interesse por formar e desenvolver pessoas. Um pouco por compromisso social, e por causa da minha história –
foi me dada uma oportunidade que agarrei com unhas e dentes – queria ajudar
outros a ter uma oportunidade semelhante.
A.R.: Qual é o registo do Camilo
Jaña como cozinheiro?
C.J.: Eu sou um tipo muito irrequieto e, até ao momento, o meu interesse
não é só o de desenvolver a minha cozinha,
o meu registo, porque o meu registo
de cozinheiro é bastante temático: crio um conceito,
desenvolvo-o, estabilizo-o, lidero-o, passo-o para outro e assim vou tocando em
cozinhas completamente diferentes.
O Panca – Cevicheria e Pisco Bar, que é o nosso mais recente, caracteriza-se
por uma cozinha que gira em torno da América do Sul, da Parrilla ao Ceviche.
O Cafeína, por outro lado, é um restaurante de cozinha Portuguesa com um toque
de bistronomie e o Terra um restaurante de cozinha Japonesa e Asiática.
São registos muito diferentes, onde a minha preocupação enquanto cozinheiro é a
de preparar uma cozinha honesta, com sabor e algum toque de contemporaneidade.
A.R.: É de outra irrequietude que
nasce o Panca?
C.J.: Aos 35 anos
sentia-me frustrado: tinha
(algumas) crises existenciais porque “estava a cozinhar
coisas que não me estavam a estimular”.
As minhas crises
existenciais transformam-se em desafios e eu sinto necessidade de me reinventar. Nunca estou satisfeito. Então, há dois anos e meio, três anos, tinha o Panca
na minha cabeça
– em boa verdade, há sete ou oito anos que pensava
em abrir uma cevicheria – e, porque
era a minha panca, tomamos
a decisão de abrir o Panca:
justamente com esse
nome. O que procura o homem? O homem procura
a felicidade. (…) O
Panca revelou-se uma aposta certeira, com resultados imediatos: deve ter sido
o quiosque mais cool de sempre no Porto. Fechou
o quiosque – porque tinha
que fechar, era Inverno – e eu estava
com aquilo na cabeça… “Tenho
que o trazer de volta,
custe o que custar”. Assim
nasceu o Panca –Cevicheria e Pisco Bar, como consequência de uma longa
história de inquietude. É evidente que quando
desenvolvi o conceito
fui buscar inspiração às minhas origens. Tem muitas
pinceladas da minha história. O prato tem que fazer
sentido. A música
tem que fazer
sentido. A iluminação. A atmosfera. A experiência é sensorial. Em comida, o que procuro
fazer são duas coisas, duas técnicas que me acompanham desde o dia que nasci:
o peixe marinado
– ceviche – e
o churrasco a
la parrilla, que
faço o mais
genuinamente possível, e na
medida do possível, uma vez que não cozinho para mim, cozinho
para as pessoas.
A.R.: Para quem cozinham os chefs?
C.J.: Nós, cozinheiros, não fazemos comida
para nós: fazemos
comida que nos satisfaz – a comida que é idealizada por um chef tem que ter
o cunho do chef – mas que é pensada
para o grupo. Não a devemos pensar
única e exclusivamente para o gosto ou o ego pessoal. Verdade
é que há quem desenvolva a sua cozinha
– isso é determinante – e há cozinhas de autor que são cozinhas
de génios e que têm resultados
de génio, mas eu não sou um génio.
E quando se pensa cozinha para 5 restaurantes, em que são necessários bons
resultados, porque existem já mais de uma centena de pessoas que dependem
disso, temos de cozinhar para as pessoas, para garantir que agradamos a um
leque cada vez mais alargado e informado de clientes.
A.R.: Quem é o Camilo Jaña?
C.J.: Sou um tipo irrequieto e
incansável, um cozinheiro com mentalidade de empresário, que se preocupa com a
qualidade do que oferece mas também com a rentabilidade do espaço e do negócio.
Por exemplo, não posso pensar da seguinte forma: “só quero que entrem neste
restaurante pessoas que querem comer ceviche”. Não! Eu quero dar a conhecer
o ceviche, mas não quero limitar a experiência. Não posso criar uma
barreira entre mim e o cliente porque se o faço então não estou a fazer
clientes e certamente também estaria a fazer com que menos pessoas o venham a
conhecer.
A.R.: O cliente visita o Panca
porque sabe que o chef é o Camilo Jaña?
C.J.: O Panca, particularmente, sim,
mas isso não me motiva: sei que, na cidade, sou relativamente conhecido porque o círculo
de chefs é
muito pequeno. O Vasco, em contrapartida – e sei
que sou suspeito para dizer isto
porque trabalho com ele –, é que é o melhor empresário que conheço na área da
restauração no Porto. É o mais experiente, o mais consistente, e sabe ler muito bem os negócios e as ânsias do público. Prova
disso é que o Cafeína
é independente – tem vida própria –, não depende
de nenhum chef, nunca dependeu e nunca vai depender. (…) E
ainda bem que assim é, não é dependência que eu quero criar. Amanhã surge outra
crise existencial…
A.R.: Que projecto se lhe segue? O
que é que vai abrir?
C.J.: Tenho uma ideia – que está em
desenvolvimento! – mas que, para já, ainda não posso revelar. Haverá certamente
novidades para breve.
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