Ana
Rocha: Quem é o Vasco Dantas?
Vasco Dantas: Um simples português que tem andando um pouco por todo o mundo a dar concertos e a mostrar o que tem de melhor Portugal e a música portuguesa – em piano. Tenho 25 anos, sou do Porto e tudo começou quando eu tinha 4 anos, de forma muito aleatória. Eu tinha que acompanhar o meu pai – porque era muito pequenino – a uns ensaios de coro amador. Ficava lá “à seca”, a ouvir os ensaios e, conta o maestro desse coro, o Prof. José Manuel Pinheiro, nos intervalos, eu ia para o piano – havia um teclado eletrónico – e começava a tentar adivinhar os sons que eles estavam a fazer. Esse maestro diz que me fez uns testes rápidos, umas brincadeiras, e que eu tinha talento e podia vir a ter ouvido absoluto. Aconselhou o meu pai a inscrever-me na música. A partir daí fui para a Valentim de Carvalho, no Porto, e foi onde tudo começou. Eu estava na música como também estava na escola, no ténis, no futebol…
Vasco Dantas: Um simples português que tem andando um pouco por todo o mundo a dar concertos e a mostrar o que tem de melhor Portugal e a música portuguesa – em piano. Tenho 25 anos, sou do Porto e tudo começou quando eu tinha 4 anos, de forma muito aleatória. Eu tinha que acompanhar o meu pai – porque era muito pequenino – a uns ensaios de coro amador. Ficava lá “à seca”, a ouvir os ensaios e, conta o maestro desse coro, o Prof. José Manuel Pinheiro, nos intervalos, eu ia para o piano – havia um teclado eletrónico – e começava a tentar adivinhar os sons que eles estavam a fazer. Esse maestro diz que me fez uns testes rápidos, umas brincadeiras, e que eu tinha talento e podia vir a ter ouvido absoluto. Aconselhou o meu pai a inscrever-me na música. A partir daí fui para a Valentim de Carvalho, no Porto, e foi onde tudo começou. Eu estava na música como também estava na escola, no ténis, no futebol…
A.R.: São
formações isoladas?
V.D.: São, sempre foram no meu caso. A certa altura fui para o Conservatório de Música do Porto (estudei com a Prof. Rosgard Lingardsson) porque me aconselharam – porque o Conservatório de Música do Porto era, e ainda é, das escolas mais reconhecidas em Portugal e no Porto é a escola de referência na música – mas continuei na escola, assim como continuei com as actividades extra-curriculares; o conservatório era uma.
A.R.: Quais eram as outras?
V.D.: Um pouco de tudo: fiz campeonatos de xadrez, andei no ténis, natação (Leixões) e andei no futebol (F.C. Porto, F.C. Boavista e Leixões). A dada altura, tive que decidir entre o futebol e a música. Escolhi a música. O futebol também me retirava muito tempo. No Ensino Secundário inscrevi-me no curso de Ciências e Tecnologias e, no final do Ensino Secundário, inscrevi-me na FEUP.
A.R.: Em que curso?
V.D.: Eu queria especializar-me em Engenharia de Nanotecnologias, portanto, para essa especialidade, podia fazer Engenharia de Materiais em Licenciatura. Fui para Engenharia de Materiais na FEUP.
A.R.: Nunca acabaste o curso, certo?
V.D.: Não. Nunca o comecei. Congelei a matrícula em Setembro pois ia também iniciar a Universidade em Londres. No fim do ano anterior (Dezembro 2009) fui fazer provas em três universidades, em Londres, para ver o que acontecia – Trinity College, Royal College of Music e Royal Academy of Music – e acabei por entrar em duas. Na outra fiquei em lista de espera. Como tinha, no Royal College of Music, a oportunidade de entrar para dois excelentes professores (Niel Immelman e Dmitri Alexeev), acabei por congelar a matrícula cá, em Portugal, e fui para Londres.
A.R.: Quanto tempo é que estiveste lá?
V.D.: Quatro anos. A licenciatura no Reino Unido é de quatro anos.
A.R.: Como foi a experiência de viver em Londres? Assustadora no início?
V.D.: Foi fantástica. Não foi assustadora, mas há receios que são transversais a qualquer pessoa que sai pela primeira vez de casa aos 18 anos, e eu saí de casa para viver noutro país: é outra moeda, outra língua, outros amigos… Eu conhecia um ou dois portugueses, que já lá estavam, mas não os conhecia muito bem – depois fiquei a conhecer melhor – e, entretanto, fiz amigos, porque fiquei a viver na residencial da faculdade. Aconselho toda a gente que vai para fora a fazer o mesmo, porque estás com os teus colegas de faculdade, não vives sozinho, e isso ajuda bastante a integração inicial.
A.R.: Onde vives agora?
V.D.: Eu estou na Alemanha a viver agora. Quando terminei a licenciatura em Londres, fui para a Alemanha fazer Mestrado “in Musik und Kreativität” e, entretanto – já acabei o Mestrado – estou a fazer Doutoramento lá, com a Prof. Heribert Koch. Em Londres, uma das benesses de estudar na cidade cosmopolita, é o facto de construíres amizades em todo o mundo. Uma boa parte dos meus amigos já saíram, também, de lá. O Royal College of Music gabava-se de ter uma classe com mais de 70 nacionalidades como alunos, naquele dado ano, e nunca variava muito.
A.R.: Quando começas a dar concertos?
V.D.: O meu primeiro concerto foi no Museu do Carro Eléctrico, tinha eu 4 ou 5 anos, num concerto da Valentim de Carvalho. No mesmo ano, um dos meus primeiros concertos, foi na Praça da Alegria, do Goucha, na RTP. Eu era super pequenino. Deve haver gravações disso.
A.R.: E, desde então, todos os anos dás concertos – desde aquela altura?
V.D.: Sim. Claro que, até aos 13/14 anos, eram concertos educativos, integrados na escola, num exame, ou numa apresentação pública que fazia parte do currículo, mas a partir daí, fiz sempre vários concursos, em Portugal e fora, nacionais e internacionais, e em muitos deles, quando ganhava um prémio, davam-me a oportunidade de fazer uma apresentação pública num festival.
A.R.: Quando foi o teu primeiro concerto a sério?
V.D.: Esse foi a sério! Eu estava super nervoso.
A.R.: Continuas a ficar nervoso?
V.D.: Não, nem sempre. Depende da situação.
A.R.: O público que não conheces é um público difícil?
V.D.: Não, pelo contrário, se eu não conheço o público estou muito mais relaxado porque, de certo modo, não tenho nada a perder ou desconheço o que poderei ter a perder. Quando eu toco, por exemplo, para um público que me conhece, que sabe os parâmetros e já me ouviu antes, tenho que cumprir com a qualidade de que estão à espera.
A.R.: Consideras-te um artista?
V.D.: Sim, sou um artista.
A.R.: Como é que defines aquilo que fazes?
V.D.: Sou músico, transformo ideias escritas ou mentais em sensibilidades auditivas, provocando infinitas emoções nas pessoas que ouvem.
A.R.: O que é que gostas mais de fazer?
V.D.: Performance aliada com alguma pedagogia: 70% performance – concertos e criação artística – e 30% pedagogia.
A.R.: O que é que te imaginas a fazer quando acabares o Doutoramento?
V.D.: Para já o objectivo passa por continuar a dar concertos por todo o mundo. Enquanto isso for possível, estou feliz com isso.
A.R.: Até aos 65 anos?
V.D.: Essa proposta soa como um trabalho de que um dia me terei que reformar para então poder fazer o que mais gosto... Ora, o que é o trabalho? “Encontra um trabalho de que gostes e não trabalharás um dia na vida”. Talvez, chegando aos 65 anos, me encontre a desejar continuar a fazer música em palco – porque é do que gosto neste momento – mas obviamente que é o meu trabalho: não tenho é culpa de gostar dele. A sociedade não deve prejudicar aquele que trabalha por gosto. No mundo artístico e musical isso acontece repetidamente.
A.R.: Como é que as outras pessoas o vêem? Vêem-no como um trabalho?
V.D.: Depende do país de que estás a falar. Aqui, em Portugal, depende da faixa etária e da classe social. Já me aconteceu de tudo: já me aconteceu de me perguntarem o que é que faço, eu responder que sou pianista e insistirem, “mas o que é que fazes mesmo?”. Não estão à espera de ouvir isso, estão à espera de que eu fale em Engenharia, Contabilidade, Medicina, etc.. Por outro lado, há outras pessoas que quase me fazem uma vénia porque respeitam o meu trabalho como músico e reconhecem-me o valor e a escolha de profissão.
A.R.: É preciso lutar por reconhecimento cá?
V.D.: Uma das razões pelas quais eu saí de cá foi justamente porque cá o reconhecimento era, e continua a ser, menor do que em países como a Inglaterra e a Alemanha. Historicamente, sempre foi – mas não há culpas específicas nisso. A História da Música, em Portugal, é bastante resumida e a música clássica nasceu no centro da Europa, na Alemanha, Áustria e Itália: é por isso são países com uma sensibilidade gigantesca. Não se pode comparar. Portugal está a melhorar muito. Nas últimas décadas, melhoramos na formação de músicos, melhoramos nas escolas de ensino artístico… Não é um processo que se mude numa geração. São precisas algumas gerações para se criar o hábito e o reconhecimento que deve ser dado aos artistas. Falo de música mas falo, também, de outros artistas: de ginastas, de dançarinos, de artistas plásticos…
A.R.: Em que países é que já deste concerto?
V.D.: Em cerca de 20. Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Alemanha, Holanda, Itália, Grécia, Croácia, Kosovo, Suécia, Rússia, Marrocos, Brasil, EUA, Singapura, Tailândia, Hong Kong… A Oceania é o único Continente a que ainda não fui. Gostava de ir.
A.R.: Aquela ideia romântica de que quem nasce com um dom não precisa de trabalhar para, é verdade?
V.D.: Isso é só a ideia de quem vê; é a ideia do público. A imagem do iceberg é fiel à verdade: o que vemos do iceberg é 1/7 do seu tamanho, é só o que fica à superfície da água.
A.R.: O que é que as pessoas não vêem, no teu caso?
V.D.: O trabalho, a quantidade de horas de dedicação, a preparação antecipada, o planeamento, a organização necessária; não vêem toda a formação durante vários anos, a persistência que é necessária e as desilusões que aparecem e que tens que saber combater…
A.R.: Qual é o teu pianista favorito?
V.D.: Há imensos pianistas e muitos são fantásticos por diferentes razões… Vladimir Horowitz, um pianista ucraniano do século XX. Era um génio e era um dos pianistas mais verdadeiros. Quero dizer, nas gravações fico sempre com a sensação de que o que fazia em termos de interpretação não era previamente planeado. Este era o seu registo. Ele era um artista espontâneo em palco. Essa espontaneidade fazia a diferença.
A.R.: Fernando Pessoa escreveu que o poeta é um fingidor…
V.D.: (…) finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente...
A.R.: O pianista também é um fingidor?
V.D.: O pianista é como o poeta, por vezes tem que conseguir provocar certas sensações no público: a dor, a alegria, o drama… Às vezes estou a tocar e arrepio-me. Não é mérito meu, é mérito do compositor que fez aquela música. Mas eu não gosto dessa palavra.
A.R.: De que palavra?
V.D.: Fingir. Como é que o músico finge um sentimento que não é seu? O que eu tento fazer em palco é, justamente, não fingir. Tento sim através da abordagem interpretativa que faço dos sons e das frases musicais exagerar certas nuances de modo a poder provocar no público a mesma sensação que eu estou a sentir nessa determinada passagem. Eu não sei tocar um sentimento que é falso. Quando leio o texto de um compositor, escrito há centenas de anos, e vejo cores, sons e um certo sentido expressivo em que eu nunca tinha reparado, provavelmente, nenhum elemento do público tinha tão pouco reparado: porque eu próprio não tinha percebido e não tinha ainda tocado dessa forma.
A.R.: O piano é o melhor instrumento de todos?
V.D.: Depende do parâmetro, mas é, sim, o mais completo. O piano é capaz de substituir uma orquestra inteira.
V.D.: São, sempre foram no meu caso. A certa altura fui para o Conservatório de Música do Porto (estudei com a Prof. Rosgard Lingardsson) porque me aconselharam – porque o Conservatório de Música do Porto era, e ainda é, das escolas mais reconhecidas em Portugal e no Porto é a escola de referência na música – mas continuei na escola, assim como continuei com as actividades extra-curriculares; o conservatório era uma.
A.R.: Quais eram as outras?
V.D.: Um pouco de tudo: fiz campeonatos de xadrez, andei no ténis, natação (Leixões) e andei no futebol (F.C. Porto, F.C. Boavista e Leixões). A dada altura, tive que decidir entre o futebol e a música. Escolhi a música. O futebol também me retirava muito tempo. No Ensino Secundário inscrevi-me no curso de Ciências e Tecnologias e, no final do Ensino Secundário, inscrevi-me na FEUP.
A.R.: Em que curso?
V.D.: Eu queria especializar-me em Engenharia de Nanotecnologias, portanto, para essa especialidade, podia fazer Engenharia de Materiais em Licenciatura. Fui para Engenharia de Materiais na FEUP.
A.R.: Nunca acabaste o curso, certo?
V.D.: Não. Nunca o comecei. Congelei a matrícula em Setembro pois ia também iniciar a Universidade em Londres. No fim do ano anterior (Dezembro 2009) fui fazer provas em três universidades, em Londres, para ver o que acontecia – Trinity College, Royal College of Music e Royal Academy of Music – e acabei por entrar em duas. Na outra fiquei em lista de espera. Como tinha, no Royal College of Music, a oportunidade de entrar para dois excelentes professores (Niel Immelman e Dmitri Alexeev), acabei por congelar a matrícula cá, em Portugal, e fui para Londres.
A.R.: Quanto tempo é que estiveste lá?
V.D.: Quatro anos. A licenciatura no Reino Unido é de quatro anos.
A.R.: Como foi a experiência de viver em Londres? Assustadora no início?
V.D.: Foi fantástica. Não foi assustadora, mas há receios que são transversais a qualquer pessoa que sai pela primeira vez de casa aos 18 anos, e eu saí de casa para viver noutro país: é outra moeda, outra língua, outros amigos… Eu conhecia um ou dois portugueses, que já lá estavam, mas não os conhecia muito bem – depois fiquei a conhecer melhor – e, entretanto, fiz amigos, porque fiquei a viver na residencial da faculdade. Aconselho toda a gente que vai para fora a fazer o mesmo, porque estás com os teus colegas de faculdade, não vives sozinho, e isso ajuda bastante a integração inicial.
A.R.: Onde vives agora?
V.D.: Eu estou na Alemanha a viver agora. Quando terminei a licenciatura em Londres, fui para a Alemanha fazer Mestrado “in Musik und Kreativität” e, entretanto – já acabei o Mestrado – estou a fazer Doutoramento lá, com a Prof. Heribert Koch. Em Londres, uma das benesses de estudar na cidade cosmopolita, é o facto de construíres amizades em todo o mundo. Uma boa parte dos meus amigos já saíram, também, de lá. O Royal College of Music gabava-se de ter uma classe com mais de 70 nacionalidades como alunos, naquele dado ano, e nunca variava muito.
A.R.: Quando começas a dar concertos?
V.D.: O meu primeiro concerto foi no Museu do Carro Eléctrico, tinha eu 4 ou 5 anos, num concerto da Valentim de Carvalho. No mesmo ano, um dos meus primeiros concertos, foi na Praça da Alegria, do Goucha, na RTP. Eu era super pequenino. Deve haver gravações disso.
A.R.: E, desde então, todos os anos dás concertos – desde aquela altura?
V.D.: Sim. Claro que, até aos 13/14 anos, eram concertos educativos, integrados na escola, num exame, ou numa apresentação pública que fazia parte do currículo, mas a partir daí, fiz sempre vários concursos, em Portugal e fora, nacionais e internacionais, e em muitos deles, quando ganhava um prémio, davam-me a oportunidade de fazer uma apresentação pública num festival.
A.R.: Quando foi o teu primeiro concerto a sério?
V.D.: Esse foi a sério! Eu estava super nervoso.
A.R.: Continuas a ficar nervoso?
V.D.: Não, nem sempre. Depende da situação.
A.R.: O público que não conheces é um público difícil?
V.D.: Não, pelo contrário, se eu não conheço o público estou muito mais relaxado porque, de certo modo, não tenho nada a perder ou desconheço o que poderei ter a perder. Quando eu toco, por exemplo, para um público que me conhece, que sabe os parâmetros e já me ouviu antes, tenho que cumprir com a qualidade de que estão à espera.
A.R.: Consideras-te um artista?
V.D.: Sim, sou um artista.
A.R.: Como é que defines aquilo que fazes?
V.D.: Sou músico, transformo ideias escritas ou mentais em sensibilidades auditivas, provocando infinitas emoções nas pessoas que ouvem.
A.R.: O que é que gostas mais de fazer?
V.D.: Performance aliada com alguma pedagogia: 70% performance – concertos e criação artística – e 30% pedagogia.
A.R.: O que é que te imaginas a fazer quando acabares o Doutoramento?
V.D.: Para já o objectivo passa por continuar a dar concertos por todo o mundo. Enquanto isso for possível, estou feliz com isso.
A.R.: Até aos 65 anos?
V.D.: Essa proposta soa como um trabalho de que um dia me terei que reformar para então poder fazer o que mais gosto... Ora, o que é o trabalho? “Encontra um trabalho de que gostes e não trabalharás um dia na vida”. Talvez, chegando aos 65 anos, me encontre a desejar continuar a fazer música em palco – porque é do que gosto neste momento – mas obviamente que é o meu trabalho: não tenho é culpa de gostar dele. A sociedade não deve prejudicar aquele que trabalha por gosto. No mundo artístico e musical isso acontece repetidamente.
A.R.: Como é que as outras pessoas o vêem? Vêem-no como um trabalho?
V.D.: Depende do país de que estás a falar. Aqui, em Portugal, depende da faixa etária e da classe social. Já me aconteceu de tudo: já me aconteceu de me perguntarem o que é que faço, eu responder que sou pianista e insistirem, “mas o que é que fazes mesmo?”. Não estão à espera de ouvir isso, estão à espera de que eu fale em Engenharia, Contabilidade, Medicina, etc.. Por outro lado, há outras pessoas que quase me fazem uma vénia porque respeitam o meu trabalho como músico e reconhecem-me o valor e a escolha de profissão.
A.R.: É preciso lutar por reconhecimento cá?
V.D.: Uma das razões pelas quais eu saí de cá foi justamente porque cá o reconhecimento era, e continua a ser, menor do que em países como a Inglaterra e a Alemanha. Historicamente, sempre foi – mas não há culpas específicas nisso. A História da Música, em Portugal, é bastante resumida e a música clássica nasceu no centro da Europa, na Alemanha, Áustria e Itália: é por isso são países com uma sensibilidade gigantesca. Não se pode comparar. Portugal está a melhorar muito. Nas últimas décadas, melhoramos na formação de músicos, melhoramos nas escolas de ensino artístico… Não é um processo que se mude numa geração. São precisas algumas gerações para se criar o hábito e o reconhecimento que deve ser dado aos artistas. Falo de música mas falo, também, de outros artistas: de ginastas, de dançarinos, de artistas plásticos…
A.R.: Em que países é que já deste concerto?
V.D.: Em cerca de 20. Portugal, Espanha, Inglaterra, França, Alemanha, Holanda, Itália, Grécia, Croácia, Kosovo, Suécia, Rússia, Marrocos, Brasil, EUA, Singapura, Tailândia, Hong Kong… A Oceania é o único Continente a que ainda não fui. Gostava de ir.
A.R.: Aquela ideia romântica de que quem nasce com um dom não precisa de trabalhar para, é verdade?
V.D.: Isso é só a ideia de quem vê; é a ideia do público. A imagem do iceberg é fiel à verdade: o que vemos do iceberg é 1/7 do seu tamanho, é só o que fica à superfície da água.
A.R.: O que é que as pessoas não vêem, no teu caso?
V.D.: O trabalho, a quantidade de horas de dedicação, a preparação antecipada, o planeamento, a organização necessária; não vêem toda a formação durante vários anos, a persistência que é necessária e as desilusões que aparecem e que tens que saber combater…
A.R.: Qual é o teu pianista favorito?
V.D.: Há imensos pianistas e muitos são fantásticos por diferentes razões… Vladimir Horowitz, um pianista ucraniano do século XX. Era um génio e era um dos pianistas mais verdadeiros. Quero dizer, nas gravações fico sempre com a sensação de que o que fazia em termos de interpretação não era previamente planeado. Este era o seu registo. Ele era um artista espontâneo em palco. Essa espontaneidade fazia a diferença.
A.R.: Fernando Pessoa escreveu que o poeta é um fingidor…
V.D.: (…) finge tão completamente/ que chega a fingir que é dor/ a dor que deveras sente...
A.R.: O pianista também é um fingidor?
V.D.: O pianista é como o poeta, por vezes tem que conseguir provocar certas sensações no público: a dor, a alegria, o drama… Às vezes estou a tocar e arrepio-me. Não é mérito meu, é mérito do compositor que fez aquela música. Mas eu não gosto dessa palavra.
A.R.: De que palavra?
V.D.: Fingir. Como é que o músico finge um sentimento que não é seu? O que eu tento fazer em palco é, justamente, não fingir. Tento sim através da abordagem interpretativa que faço dos sons e das frases musicais exagerar certas nuances de modo a poder provocar no público a mesma sensação que eu estou a sentir nessa determinada passagem. Eu não sei tocar um sentimento que é falso. Quando leio o texto de um compositor, escrito há centenas de anos, e vejo cores, sons e um certo sentido expressivo em que eu nunca tinha reparado, provavelmente, nenhum elemento do público tinha tão pouco reparado: porque eu próprio não tinha percebido e não tinha ainda tocado dessa forma.
A.R.: O piano é o melhor instrumento de todos?
V.D.: Depende do parâmetro, mas é, sim, o mais completo. O piano é capaz de substituir uma orquestra inteira.
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