*Para Ti,
Gosto de coisas tristes mas contentes. Não disse isto, desculpa, o que quero dizer é que gosto de coisas felizes mas tristes. (...) A minha paixão por ti é estar numa fila imensa com meninos mais bonitos que eu, bem melhor tratados, mas mesmo assim, fazendo tudo para que me escolhas a mim e me leves para fora. Porque é a ti que eu quero e a mais ninguém. E mesmo quieto, estou aos saltos cá dentro quando te vejo, mesmo mudo, estou a gritar para que me leves daqui, mesmo aqui, entre todos, faço força com os olhos para que fiquem maiores à tua passagem. E mesmo que não me leves desta vez, fico à espera de outra, e mais outra, até ao dia, em que não sobra mais ninguém, em que só estou eu ali, sozinho, sem mais meninos bonitos, sem mais nada, quase nú, por Deus, com uma roupa velha e suja, à espera que me agarres. E se não o fizeres mesmo assim, quero que saibas que dali não saio sem ti, mesmo que ali fique, para sempre, toda a vida, na certeza de que não me vendi a outro alguém, na esperança de que tu voltes. Porque é o teu regresso que me importa, porque é esse bocadinho em te vejo que me faz ficar de lágrimas nos olhos mas contente cá por dentro. Porque é mesmo isto, é mesmo isto que eu penso, a mais bela das tristezas é a felicidade com lágrimas nos olhos.
Ana
Rocha: Quem é o
Fernando Alvim?
Fernando Alvim: O Fernando Alvim
é alguém que nasceu, acredito, com uma apetência para comunicar e que desde aí
se dedicou a essa faculdade que teve e explorou-a. E acho que está a conseguir.
A.R.: Quando é que descobriste que tinhas uma
apetência para comunicar?
F.A.:
Quando tinha 13 anos de
idade, havia uma rádio ao lado da casa dos meus pais e eu, na altura, só
pensava em jogar à bola – em andar atrás da bola – e em raparigas…
A.R.: [Interrompe] Com 13 anos?
F.A.: Com 13 anos!, e a verdade é que as
coisas não mudaram assim tanto (risos). Então juntei a isso uma paixão que até
então não existia – comunicar – e percebi que era isso que queria fazer na
vida. É claro que podia ser uma daquelas coisas de adolescente – o querer fazer
aquilo e daqui a dois anos não querer nada –, mas não: os anos sucederam e
nunca diminuiu o meu entusiasmo. A única coisa que mudou é que me começaram a
pagar.
A.R.: Falavas sobre futebol e raparigas na
rádio?
F.A.: Ainda hoje falo. Que outras coisas
melhores do que essas há para falar? Não me lembro. Acho que é óptimo falar
sobre mulheres, futebol… Acho que são os assuntos favoritos dos homens.
A.R.: E isso não mudou?
F.A.: Nem em mim, nem em todos os homens.
Estamos a falar dos heterossexuais naturalmente.
A.R.: Dizias, numa entrevista, que o teu
objectivo número um era trabalhar na Rádio Comercial.
F.A.: Na altura, eu devia ser muito novo,
lembro-me de que havia um animador de quem eu gostava muito – José Ramos, fazia
as manhãs da Comercial – e eu adorava toda a estética sonora da Rádio Comercial.
E eu comecei a perceber que um dos meus
grandes objectivos – não o maior – era trabalhar naquela rádio de que eu tanto
gostava. Parece-me um objectivo bom para alguém que tem ainda poucos anos de
carreira. Então, eu acho que fazia rádio para um dia chegar à Rádio Comercial.
E isso aconteceu. Comecei a trabalhar na Rádio Comercial aos 24 anos.
Passei por outras rádios importantes como a TSF, a rádio Nova Era e a Energia, no
Porto. Quando começo a trabalhar na Rádio Comercial, mudo de cidade e passo a
viver em Lisboa.
"Então, eu acho que fazia rádio para um dia chegar à Rádio Comercial.
E isso aconteceu."
A.R.: Esse foi um objectivo que deu trabalho.
F.A.: Claro!, claro que deu imenso trabalho!
Primeiro porque, para começar, mudei de cidade. Depois, porque mudei de local
de trabalho. Foram muitas mudanças. Acho que mudei tudo nessa altura da minha
vida e acho que foi um período muito interessante de descoberta, pessoas novas
que entraram na minha vida, gostei imenso e adaptei-me muito bem tanto à cidade
como à nova realidade que se me apresentava e a partir daí acho que todas as
coisas que podiam acontecer a alguém aconteceram-me – pelo menos a nível de
comunicação. Rapidamente fui para a televisão, tive um programa na TVI, depois
para o Curto Circuito, depois tive muitos programas na Sic Radical e mais
tarde, nesta última fase, o universo RTP tem sido onde tenho feito televisão e
rádio.
A.R.: Consideras-te um artista?
F.A.: Não sei se é assim que… Considero-me um
comunicador. Não sei se um comunicador é um artista. Eu gosto de quando as pessoas me definem como comunicador. Fico
satisfeito. Acho que nunca me puseram numa entrevista como o artista
Fernando Alvim: o comunicador Fernando Alvim, o radialista Fernando Alvim, o
apresentador Fernando Alvim.
A.R.: Trabalhas, sobretudo, com meios de
comunicação mas também escreves e trazes a tua criatividade para os projectos
em que te envolves.
F.A.: Sim, sim, faço muitas coisas na área da
comunicação: escrevo, falo, trabalho na rádio, trabalho na televisão.
A.R.: O teu percurso é não-normativo na
medida em que, quando falam de ti, falam, frequentemente, de relações fugazes – e
eu não te vejo como um homem que tenha procurado casar. Gostavas de casar?
F.A.: Pois, não é propriamente a vida que eu
idealizo – mas também não a ponho de parte.
A.R.: Qual é a vida que idealizas?
F.A.: Eu gosto da vida que tenho. [Agora
parece que estou a dar uma entrevista para a Caras ou para a TV 7 Dias.] Eu não
falo muito da minha vida pessoal, mas também não me esquivo a ela. Depois, acho
que, convencionou-se, todas as pessoas têm que ter um emprego nine to five – mas isso ainda existe? – e todas as pessoas têm que casar e ter
filhos – mas será que é esse o modelo que
ainda está em vigor? Não sei. Eu gosto da vida que tenho. Vou namorando,
vou tendo as minhas relações, mas não as anuncio e não as publico.
"Eu não
falo muito da minha vida pessoal, mas também não me esquivo a ela."
A.R.: O que fazia da paixão pela Vanda
Miranda uma paixão platónica?
F.A.: O facto de eu gostar dela e ela não
gostar de mim. É isso que define as paixões platónicas. Acho que é universal.
A.R.: Mais tarde, essa paixão pela Vanda
Miranda foi uma paixão concretizada?
F.A.: Não, foi sempre uma paixão platónica. Não.
Somos amigos.
A.R.: Só os amores não correspondidos são
amores românticos?
F.A.: Não,
acho que os amores correspondidos é que
são românticos. Acho que os amores
não correspondidos valem muito pouco. Acho que as pessoas não devem perder
tempo com os amores não correspondidos – por isso é que são não correspondidos.
Essa é uma das coisas, quando há pouco falavas de crescimento e desenvolvimento
pessoal, que a vida adulta me ensinou: se existe, da outra parte, vontade,
óptimo; se não existe, para quê?, para quê investires o teu tempo em algo que a
outra pessoa não quer? Foi algo que a vida adulta me ensinou e eu estou muito
contente por ter aprendido isso. Devia ter aprendido era mais cedo.
“Acho
que os amores não correspondidos valem muito pouco.”
A.R.: Com que idade é que aprendeste isso?
F.A.: Aos vinte e tal. Se calhar foi depois
da Vanda, é possível. Mas ganhei uma grande amiga. Isso é bom.
A.R.: Amor é “comer um calipo em via pública”?
F.A.: Acho que é uma coisa bem diferente
disso. Acho que nunca disse amor é comer um calipo em via pública. Acho que devo ter dito isso de outra forma.
O amor é quando tens tempo, tens disponibilidade e quando a outra pessoa é-te
sempre prioritária. É isso que distingue o amar alguém de outra pessoa de
quem apenas gostas. Quando amas alguém sabes que aquela pessoa é-te
absolutamente prioritária em relação a todas as outras. É isso que define o
amor.
“Quando
amas alguém sabes que aquela pessoa é-te absolutamente prioritária em relação a
todas as outras. É isso que define o amor.”
A.R.: Acreditas em relações monogâmicas?
F.A.: Acredito, claro. Já tive algumas –
monogâmicas. Aliás, sempre que tive namoradas as minhas relações eram
monogâmicas.
A.R.: Nunca tentaste negociar a possibilidade
de…?
F.A.: Não, porque quando estamos apaixonados
acho que nem temos tempo de pensar noutra pessoa. Quando estamos apaixonados. Agora, se temos uma relação, assim, uma
não-relação? Eu não sei o que é isso, eu nunca tive uma dessas relações. Sempre
que tive relações com outras pessoas é porque estava completamente apaixonado
por elas. Só assim vale a pena viveres com alguém, ter um relacionamento com
alguém. Para que é que vais ter um relacionamento com alguém se vais estar a
pensar noutra pessoa? Não vale a pena. Acho eu…
A.R.: Acreditas que esse amor se pode
prolongar por… 50 anos?
F.A.: Claro, até por 100. Temos tantos
exemplos!
A.R.: Quem é que é um exemplo?
F.A.: Os meus pais, que ainda estão juntos e
gostam um do outro. Percebe-se isso. Acho óptimo ter esse exemplo. Eu, à minha
volta, estou cheio de exemplos – mas nem esses exemplos me fazem querer ter a
vida que eles tiveram e que eles têm. Acho que é um modelo óptimo, maravilhoso,
mas podem existir outros.
A.R.: Em que sentido?
F.A.: Voltamos ao mesmo que há pouco disse:
nem todas as pessoas têm que ter uma família, um emprego nine to five e filhos. Podes ter uma vida desprendida. É o que eu
tenho. E quando tenho relacionamentos não faço questão de anunciá-los ao mundo.
A.R.: Numa entrevista dizes que o Tinder, na sua relação com o amor, não o
elimina, acrescenta possibilidades.
F.A.: Não faço ideia, não imagino o que isso
quer dizer. O Tinder é só uma
plataforma – como as discotecas, os amigos da família… O Tinder não veio substituir nada. Só veio juntar. E, portanto, ainda
existe um estigma em relação a, mas acho que daqui a uns anos o Tinder vai ser olhado com a mesma
naturalidade com que se olha para alguém que se conheceu à noite ou para amigo
de família que se conheceu num jantar. Hoje em dia, porque é uma coisa nova e
as pessoas ainda não estão habituadas, se calhar ainda se olha com alguma
desconfiança.
A.R.: É porque não estão habituadas ou porque
as relações que se constroem lá são frágeis?
F.A.: São? Há muitas pessoas que se casaram porque se conheceram no Tinder. Muitas. E os nossos pais só
não se casaram ao conhecerem-se no Tinder
porque não havia o Tinder na altura.
É só por causa disso.
A.R.: Porque é que não gostas de falar sobre
o Tinder?
F.A.: Porque o que quer que eu diga sobre o Tinder acaba por ser o destaque no que
quer que eu dê numa entrevista. Já me aconteceu muitas vezes e então não falo
sobre isso. Para além disso, também é de foro pessoal, portanto, se é de foro
pessoal, porque é que eu tenho que estar a… É um direito que ainda me assiste e eu ainda gosto de não colocar tudo
aquilo que faço no Facebook, no Instagram… Eu não tenho a necessidade
absoluta de comunicar tudo aquilo que faço. E não é que sou feliz assim?
Não é incrível? Não tendo essa necessidade, consigo ser feliz dessa maneira,
sem partilhar quase nada. É impressionante. E não sinto necessidade nenhuma.
“Eu
não tenho a necessidade absoluta de comunicar tudo aquilo que faço.”
A.R.: Defines o amor como descascar uma maçã
para a pessoa que amamos. Vivemos o Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, e precisamos de rever a
definição de amor porque a fruta já se compra descascada?
F.A.: Bem, eu percebo nas tuas perguntas que
tu coleccionas frases que eu digo. Coleccionas mais frases do que ideias. E uma
frase é só isso. Essa frase tem sempre contextos. Uma frase, quando deslocada
desse contexto, pode tornar-se noutra coisa. Eu não sei em que contexto em que
disse cada uma das coisas. Agora teria que ir ver em que contexto é que disse
essa afirmação para perceber o que queria dizer com ela. Quando falas do Admirável
Mundo Novo, eu acho que este já é o Admirável Mundo Novo. As relações já não se
estabelecem do mesmo modo, as pessoas já não se conhecem da mesma forma e, se
calhar, as pessoas também já perceberam que o amor não tem que ser
necessariamente eterno – as relações agora duram pouco mais de dez, vinte anos.
Há muitas coisas que estão a mudar. O mundo está em constante mudança e a
verdade é que isso é bom – não tem que ser mau –, as coisas têm que se renovar. E,
depois, quando pensamos nas relações dos nossos pais – que eram muito longas, porque
não se divorciavam – por vezes temos que nos questionar. Com que qualidade é
que eles viviam? Com vergonha dos vizinhos e do que a família ia dizer, mas não
eram felizes. Eu acho que as pessoas agora buscam mais essa felicidade e não
fazem tantos fretes. Eu acho que isso é bom. Por outro lado, acho que às vezes
desistem à primeira contrariedade, e isso é mau. Pronto.
A.R.: No Maluco Beleza, Rui Unas define-te
como pessoa de relacionamentos fugazes e de ingenuidade nas expectativas
profissionais. Diz que estás agora a tornar-te adulto. O que vês em
retrospectiva? Imaturidade ou um homem que não se cansa de ver possibilidades
onde os outros vêem limitações?
F.A.: Vejo tudo isso: uma pessoa imatura, um
homem que não se cansa de ver possibilidades e vejo, sobretudo, alguém que não
é resignado. Vou fazendo coisas. Não estou propriamente à espera que me dêem
oportunidades e busco ideias para sugerir. Acho que é mais isso. Não me lembro de
ele dizer isso, não faço ideia. Mas, sim, até gosto da minha imaturidade. A minha imaturidade dá-me criatividade,
e isso é bom. Sou criativo por ser imaturo.
“Sou
criativo por ser imaturo.”
A.R.: O teu primeiro livro é um conjunto de
cartas escritas para duas mulheres.
F.A.: [Interrompe] Se calhar para mais.
A.R.: Eram
verdadeiramente cartas de amor?
F.A.:
Não, fingia estar
apaixonado e escrevia cartas de amor. É claro que eram. Era aquilo que eu
sentia pelas pessoas. Só assim é que se pode escrever uma boa carta de amor.
Digo eu. Não resulta, não consigo escrever sem…
A.R.: Já tentaste?
F.A.: Já!
A.R.: Ainda escreves cartas de amor?
F.A.: Claro, quando estou apaixonado.
A.R.: Da primeira vez que li Fernando Alvim,
foi esta* carta. O que é que os homens não nos contam sobre a sua autoestima?
F.A.: Eu acho que nós dizemos, basta que nos
perguntem. Se não dizemos é porque não nos perguntam. Se as mulheres nos
perguntarem, nós respondemos a tudo. E acho, inclusivamente, que os homens são
muito menos misteriosos por causa disso. E se calhar até é mau. Devíamos ser
mais reservados e não somos. (…)
A.R.: Dizes que as mulheres com quem te
envolveste eram mais disciplinas, mais organizadas, mais talentosas…
F.A.:
[Interrompe] Todas.
A.R.: E que, na ruptura dessa relação,
superaram-te sempre.
F.A.: Nem todas as mulheres com quem me
envolvi eram mais talentosas do que eu, parece-me óbvio, mas gosto de pensar que me envolvo com pessoas
tão ou mais talentosas do que eu –
isso gosto, por acaso – e não me importo que sejam mais talentosas do
que eu porque, à partida, se são, é sinal de que eu vou evoluir com elas. Se
não são, se têm menos conhecimento que eu, se são menos talentosas do que eu,
alguma coisa têm que ter para eu estar com elas. Eu acho que só vale a pena
estar com alguém se essa pessoa nos fizer evoluir. Se não fizer, então não vale
a pena. Eu não quero estar com alguém que não me faz evoluir. Não vale a pena. Há pessoas que nos podem fazer emburrecer,
que é a pior coisa.
“Há
pessoas que nos podem fazer emburrecer, que é a pior coisa.”
A.R.: Já aconteceu?
F.A.: Sim, claro, mas foi por muito pouco tempo.
Afasto-me rapidamente de pessoas que me fazem emburrecer. Pessoas que não me
ensinam nada, eu não… Não me ligo a elas. Se é para não aprender nada, então,
não contem comigo.
A.R.: Conta-me uma história de amor.
F.A.: (…) É uma não-história. Ela teve um
episódio atípico de epilepsia e perdeu a memória. Ao perder a memória, perdeu-se
tudo aquilo que nós tínhamos construído até então e, hoje em dia, somos só
amigos. Meio ano depois, lembrou-se do que nos tinha unido, mas já era muito
tarde.
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