quarta-feira, 29 de maio de 2019

GUILHERME FONTES TAVARES


Ana Rocha: Quem é o Guilherme Fontes Tavares?
Guilherme Fontes Tavares: Médico Dentista, nascido e criado em Oliveira de Azeméis, convertido a Guimarães e com coração no Porto. Eterno curioso e apaixonado pelo que me rodeia, acho que o humor e o amor são a chave de tudo e é assim que gosto de encarar a minha vida. Tudo o que faço é sempre nesta base fundamental. Gosto de estar com amigos... Não consigo estar sozinho. Gosto de cozinhar. Não dispenso boa música, comida tradicional, jogos do Futebol Clube do Porto... E um copo de vinho! Como não sei lidar com estas coisas, estou a dar esta entrevista ao sabor de um Porto Vintage... Espero que o volume não se note!


HM Dental Clinics

A.R.: Porquê Medicina Dentária?
G.F.T.: Estava destinado. Desde uma idade muito precoce que as Ciências despertaram interesse em mim, sentia um fascínio e uma curiosidade tremenda pela fisiologia do ser humano. Depois, e creio que por influência dos meus pais, a Medicina vislumbrava-se como um sólido garante de um futuro risonho e estável – não só a nível profissional, como social. Essa era a ideia transversal dos anos 80/90, e a minha geração (Y) sempre viveu nessa ânsia... Ensino Superior era a obrigatoriedade e, se fosse Medicina, melhor! Eu sempre vi com bons olhos essa ideia. Tinha interesse, adorava ajudar os outros e comunicar: a tríade essencial para que as coisas se desenrolassem com naturalidade. Por volta dos 12 anos, pela mão da minha mãe, vou a uma consulta de Medicina Dentária. Na altura, receoso e ansioso pelos estereótipos criados pela sociedade, a medo... Mas rapidamente me apaixono pela voz doce da minha Médica Dentista; do seu carinho e do seu anestésico tópico de morango! Tornei-me paciente assíduo do gabinete. Ia sozinho às consultas...12 anos! Cedo percebi que o medo do Dentista se perdia com uma loiraça de 30 e poucos anos a tratar-nos com meiguice. Creio que começou ali a minha paixão pela profissão. Na candidatura ao Ensino Superior optei pela Medicina Dentária. Compreendi que estava no lugar certo e não voltava atrás nessa escolha.
A.R.: Como pontuamos a evolução da Medicina Dentária?
G.F.T.: A Medicina Dentária tem tido uma franca evolução nos últimos anos. Em pouco mais de uma década verificou-se uma clara mudança de paradigma: a manutenção do dente é primordial, bem como a recuperação da sua estrutura de forma conservadora e previsível. No passado, em contraste, a grande maioria dos dentes era condenada à extracção. Hoje, não só com os avanços tecnológicos e científicos mas também com a facilidade no acesso à informação e à tecnologia, Portugal encontra-se no mesmo patamar do que de melhor se faz pelo mundo fora. Esta evolução é diária e de tal forma galopante, que acaba por ser um grande desafio para os clínicos para se manterem actualizados. A formação não pode nunca parar. Apesar de ser uma profissão relativamente recente em Portugal, arriscaria dizer que temos, no nosso país, muito provavelmente, alguns dos melhores profissionais da Europa e do Mundo. Felizmente, vou tendo a sorte de trabalhar e aprender com alguns, o que aporta uma grande vantagem para o meu percurso profissional.

"Em pouco mais de uma década verificou-se uma clara mudança de paradigma:
a manutenção do dente é primordial, bem como a recuperação da sua estrutura de forma conservadora e previsível."

A.R.: Pacientes ou clientes?
G.F.T.: Sinto que me fazes esta pergunta com ratoeira (risos). Do ponto de vista Ético e Deontológico, vemos os nossos utentes como doentes ou pacientes. Inclusive, é assim que os tratamos. Não faz sentido ser de outra forma, tem que haver uma conduta essencial ao exercício da profissão. O Médico Dentista não pode exercer uma actividade comercial, deve sim assegurar ao doente a prestação dos melhores cuidados de saúde oral ao seu alcance. E creio que isto é muitas vezes confundido. Por considerarem a actividade demasiado onerosa, e por ser uma actividade essencialmente desenvolvida no sector privado, facilmente sentem que o Médico Dentista visa obter benefícios económicos ilegítimos. "Nós vendemos a única coisa que não tem preço: a saúde".
A.R.: Com o surgimento de grandes grupos e redes de Clínicas de Medicina Dentária pode assistir-se a uma "clientelização" do paciente. Qual é o teu parecer?
G.F.T.: Não tenho dúvidas. Não se esgota na Medicina Dentária. Os Hospitais Privados são geridos por economistas e por gestores e o seu objectivo principal não é tratar doentes, é obter enormes e avultados lucros para que possam dar retorno aos seus accionistas. E aí a história conta-se de outra forma: na Medicina Dentária há excesso de profissionais, o que gera muita oferta e um aumento da mão-de-obra barata. Os grandes grupos económicos exploram essa fragilidade, mantendo os colegas em situações laborais delicadas e que se vêem na necessidade de faturar para pagar as suas contas. Há muita falta de honestidade, há muita publicidade enganosa e o doente por vezes não consegue triar estas situações...
A.R.: É negativo o aparecimento de grupos para a Saúde Oral portuguesa?
G.F.T.: Em parte não, porque com a força dos grupos e a divulgação dos seus serviços, despertam na sociedade o alerta para a consciência e para as melhorias da sua saúde oral. Por outro lado, e pelo que já abordei anteriormente, essa pressão económica que é evidente, não deveria existir. A meu ver, o doente deve estar consciente e informado. Costumo fazer uma comparação com o têxtil. Se eu quiser comprar um fato, tenho várias opções no mercado, desde o mais acessível retalhista têxtil até ao alfaiate. Cabe-me a mim decidir o que quero para a minha saúde… E sem dúvida que o fato feito à medida será mais oneroso mas, no final, vai compensar a escolha.
A.R.: Qual a tua opinião relativamente aos seguros de saúde?
G.F.T.: Nas clínicas onde trabalho (Hélder Moura Dental Clinics – passo a publicidade), não trabalhamos com seguros. Os preços baixos impostos por estes obrigar-nos-iam a reduzir a qualidade dos serviços que prestamos aos nossos pacientes. E isso não se reflete na nossa política de qualidade, no nosso mantra. Queremos dar ao doente o melhor tratamento ao alcance. Existe hoje muita discriminação no tratamento dos doentes que beneficiam de seguros de saúde. Por serem vistos como "doentes menos rentáveis" – lá está, a clientelização, com a qual não nos revemos –, os materiais e equipamentos usados são de menor qualidade, o tempo de consulta vê-se reduzido e os médicos dentistas acabam por prestar um tratamento menos adequado às necessidades do doente.

"Existe hoje muita discriminação no tratamento dos doentes que beneficiam de seguros de saúde. Por serem vistos como "doentes menos rentáveis" – lá está, a clientelização, com a qual não nos revemos –, os materiais e equipamentos usados são de menor qualidade, o tempo de consulta vê-se reduzido e os médicos dentistas acabam por prestar um tratamento menos adequado às necessidades do doente."

A.R.: A estética é uma prioridade para a população portuguesa?
G.F.T.: Felizmente, a população portuguesa mudou a relação que tinha com a Medicina Dentária e passou a ter uma atitude mais preventiva do que curativa. Vivemos num mundo em que impera a imagem e, obviamente, o sorriso tem um papel preponderante na harmonia facial. As redes sociais, as figuras públicas, as bloggers e influencers acabam por dar um estímulo extra para esta preocupação. De qualquer forma, antes de se pensar em estética, dever-se-á pensar em saúde! E não podemos menosprezar o que se passa com a nossa cavidade oral, uma vez que a boca não está dissociada do resto do organismo. Atendemos, frequentemente, doentes nos quais a principal preocupação é a estética anterior da boca, embora apresentem os seus dentes posteriores num estado critico de conservação. É esta mudança de atitude que creio que ainda falta alcançar.

 "Felizmente, a população portuguesa mudou a relação que tinha com a Medicina Dentária e passou a ter uma atitude mais preventiva do que curativa."

A.R.: Que relação entre estética e saúde?
G.F.T.: Não há estética sem saúde. Sobretudo quando falamos de estética dentária. Desmistificando a ideia de grande parte dos doentes, a estética dentária não se esgota em dentes brancos e alinhados. Para haver estética, deverá haver um enquadramento harmonioso do sorriso com a restante face, na qual, muitas das vezes, a oclusão apresenta um papel importantíssimo no contributo para a estabilidade ortopédica e neuromuscular do sistema estomatognático. Como referia anteriormente, os dentes posteriores têm um papel importantíssimo na manutenção desta estabilidade. Sinto também que se dá demasiado valor à perfeição do sorriso e menos à ausência de cáries ou outro tipo de patologias da cavidade oral. A virtude está no equilíbrio. A grande maioria das pessoas esforça-se para agradar no seu meio, procurando tirar proveito das características que julgam ser mais valorizadas em si. O sorriso poderá ser uma delas. No entanto, frequentemente, entram em obsessão, pressionadas pelo impacto das redes sociais, perseguem padrões estéticos que não existem na natureza, nem se traduzem em saúde. Senão vejamos, não existem dentes branco opaco (o branco dos frigoríficos) na natureza. No entanto, é o pedido de grande parte dos pacientes, que não se apercebendo da manipulação fotográfica de grande parte dos exemplos que seguem, perseguem a utopia. Por vezes, esta pressão social, arrasta uma pressão psicológica. Uma busca pelo que não existe. A estética vai ser sempre subjectiva. O belo para mim, não será seguramente o mesmo para ti. A ideia chave que eu defendo é que a saúde deverá vir em primeiro lugar, e um sorriso saudável, será certamente um sorriso bonito!

 "A estética dentária não se esgota em dentes brancos e alinhados."

A.R.: A estética imita a natureza?
G.F.T.: A estética, na sua componente filosófica, estuda a natureza, a beleza e os fundamentos da arte. A estética, principalmente a dentária, deveria basear-se na natureza. E porquê? Porque a natureza leva milhões e milhões de anos de aprimoramento até conseguir estruturas perfeitas. Quando reabilitamos ou substituímos um dente, a melhor referência que temos é o dente intacto. Este apresenta, para além de uma estética única, com forma, volume, textura, translucidez, opalescência, um comportamento mecânico, uma função e um princípio biológico. Por isso, seguimos hoje na Medicina Dentária aquilo a que chamamos um princípio biomimético. Ou seja, tentamos imitar, mimetizar, o que observamos na natureza, na vida. (Biomimesis provém do grego, bio que significa vida e mimesis que significa imitação). Dou-te um exemplo prático. Se fracturares um dente anterior e optares por um tratamento biomimético, muito provavelmente o plano de tratamento passaria pela adesão de facetas em cerâmica feldspáticas com uma resina composta. A dureza da cerâmica feldspática não só permite uma característica óptica semelhante ao dente natural, bem como apresenta uma dureza equivalente à do esmalte. Já a resina composta que ficará sob essa cerâmica, tende a simular a estrutura que diz respeito à dentina do dente. No passado, muito provavelmente, o que seria feito seria um tratamento endodôntico (vulgarmente conhecida por desvitalização) do dente, colocação de um espigão metálico e cimentação de uma coroa metalo-cerâmica (com uma base em metal, um opaco e um revestimento cerâmico). Ora, para além de se perder a vitalidade do dente, estas estruturas por serem demasiado rígidas, iriam sobrecarregar a estrutura remanescente do dente e a sua consequente falha mecânica a médio prazo. Este é o motivo pelo qual, nos dias de hoje, reabilitamos os dentes com materiais com uma dureza muito aproximada à dos dentes a tratar, inspirados por aquilo que a natureza criou e aperfeiçoou. Por outro lado, quando os doentes nos pedem dentes brancos e alinhados, há que instruí-los que na natureza há uma naturalidade, há uma forma e um princípio. Um dente não é completamente liso e de um tom uniforme. Tem um tom mais amarelado e mais cromático junto à gengiva e uma área mais translúcida na sua extremidade. Tem várias curvaturas. Apresenta cúspides e sulcos. E tudo isso é estética. E sempre que estiver ao nosso alcance, deverá ser recriado. Custa-me muito ver restaurações em que pedaços de compósito (vulgar massa branca) são literalmente, e desculpem-me a expressão, "chapados" nos dentes, sem rigor pelo natural, sem arte e sem critério. Choca-nos ver dentes branco frigorífico no sector anterior e os doentes procurarem isso. Temos que educar os nossos doentes. Sobretudo sobre as suas expectativas, dado que muitas vezes chegam com sonhos irreais, porque vêem determinado programa na televisão e como tudo foi rápido, e não percebem que isso se traduz em meses de tratamentos e consultas.

"Um dente não é completamente liso e de um tom uniforme. Tem um tom mais amarelado e mais cromático junto à gengiva e uma área mais translúcida na sua extremidade. Tem várias curvaturas. Apresenta cúspides e sulcos. E tudo isso é estética."

A.R.: Quais são as frustrações de um Médico Dentista?
G.F.T.: Para mim, o mais frustrante é despender de tempo e dinheiro em formações, de investimento com material e recursos técnicos, de tempo de cadeira com o doente para, de forma apaixonada, lhe devolver ou recuperar o seu dente e não sentir que esse esforço foi valorizado. Sentir que na grande maioria das vezes o doente vai em busca do preço. E de valorizar apenas se a consulta foi rápida, se o Médico foi simpático e se não fez doer. Entristece-me que não valorize todos os outros aspectos. A manutenção da saúde e o ato clínico em si. Costumo frequentemente dizer aos meus colegas que trabalho para mim, porque sigo os meus ideais e quero oferecer sempre o melhor ao meu doente, embora busque mais isso que o próprio doente. Dou-te um exemplo, na HM Dental Clinics, clínica onde trabalho, investem-se anualmente milhares de euros em recursos técnicos, temos um director clínico, o Dr. Hélder Moura, que dá dezenas de conferências nacionais e internacionais, é aclamado pelos pares e reconhecido como grande profissional, uma equipa jovem, simpática e atenciosa, e muitas das vezes o que ouvimos do doente é: "Para este tratamento não é melhor ir ao Porto?". Será que a ciência e os equipamentos não chegaram a Guimarães? Estar no Porto ou em Lisboa será sinónimo de maior qualidade e mais competência?
A.R.: Os portugueses têm boa higiene oral?
G.F.T.: A Ordem dos Médicos Dentistas (OMD) tem vindo a desenvolver um Barómetro da Saúde Oral, onde analisa os hábitos, o acesso, as percepções e motivações da população portuguesa relativamente à oferta de cuidados de saúde dentários. De acordo com este barómetro, os Portugueses aparentam ter bons hábitos de higiene oral apesar de se verificar uma acentuada perda de dentes naturais, e destes doentes a quem faltam dentes naturais, só 45% apresentam dentes de substituição. Apenas 30% dos portugueses têm a dentição completa. 8% da população tem mesmo a falta de todos os dentes. Uma situação que afecta significativamente a capacidade de mastigar, engolir, falar, sorrir, bem como todos os problemas daí decorrentes. Há uma tendência positiva para a inversão destes números, mas ainda existe um longo caminho a trilhar, nomeadamente na educação e instrução das populações para a necessidade de bons hábitos de higiene oral, bem como de visitas regulares ao médico dentista.

"Os Portugueses aparentam ter bons hábitos de higiene oral apesar de se verificar uma acentuada perda de dentes naturais, e destes doentes a quem faltam dentes naturais, só 45% apresentam dentes de substituição. Apenas 30% dos portugueses têm a dentição completa. 8% da população tem mesmo a falta de todos os dentes."

A.R.: O que é que te faz sorrir?
G.F.T.: Um sorriso, com a boca ou com o olhar; um momento entre amigos, em família, um golo do Futebol Clube do Porto. Levar a vida a sorrir será sempre a melhor forma de encarar o presente e de mudar o mundo.

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