Ana Rocha: Quem é a
Ana Aragão? Qual é a estória?
Ana Aragão: A história
é muito simples de contar. Sou do Porto, cidade onde vivi quase a minha vida
toda, e faço desenhos. Idealmente era isto que gostaria de escrever em todas as
biografias que me pedem: nasci e faço desenhos. Depois tenho todo um percurso
que me fez quem sou. No campo profissional: estudei arquitectura, comecei o
doutoramento, fugi para o desenho. Pessoalmente: tenho a minha rede de pessoas
sem as quais não sei viver e tenho uma filha pequena. Basicamente não é muito
mais complexo que isto. O resto é conversa.
A.R.: O Porto.
Que influência e papéis desempenha? É a cidade o primeiro background em
arte?
A.A.: O Porto
está sempre presente, ainda que da maior parte das vezes de um modo
inconsciente. Nasci no Porto e vivi quase toda a minha vida aqui, por isso é
natural que o Porto esteja implícito naquilo que desenho, sobretudo quando o
meu tema explícito por excelência é a cidade, ou casinhas, ou algo do género.
No meu caso a cidade não é um background, mas um foregroud: a cidade é o tema
mais óbvio. Evidentemente que a cidade é muitas vezes uma perífrase ou uma
metáfora para tratar temas que me interessam sobremaneira, como a relação do
infinitamente pequeno com o infinitamente grande, ou a forma como arrumamos o
que nos rodeia, como organizamos a informação e como decidimos, quando
confrontados com múltiplas opções. Trato sempre o tema dos labirintos da
experiência, embora o que apareça no fim, ou o que costume aparecer, são
manifestações de cidades possíveis e impossíveis.
A.R.: Fora do
Porto: existe um lado de fora? Ou, parafraseando Italo Calvino, “por mais que
se afaste da cidade, nada faz além de passar de um limbo para o outro sem
conseguir sair dali”?
A.A.: A fuga do
centro é algo extremamente difícil. De facto a distância que tento ganhar à
obra torna-se particularmente difícil quando a obra é absorvente, e em mim é,
sem sombra de dúvida, uma obsessão. O lado de fora talvez sejam os olhares do
outro, ou quando viajo, e mesmo assim nem sempre consigo descentrar-me. Para
mim o desenho é um centro, o meio pelo qual descubro coisas, ou não descubro
coisas, e por isso continuo sempre e sempre e sempre.
A.R.: Que relação
entre o trabalho de Ana Aragão e a obra de Italo Calvino, Cidades Invisíveis?
A.A.: É um dos
livros que me deram a ler na Faculdade e desde então tornou-se uma das minhas
Bíblias. Gasto de tanto revisitar. Italo Calvino conseguiu aproximar-se da
construção de um livro infinito. Encontro muitas afinidades com esse livro, não
apenas por descrever cidades, mas por procurar listar todas as cidades
possíveis num catálogo sem fim e sem início, algo que me fascina. O desejo do
universal é algo que me seduz imensamente. As descrições são tão visuais quanto
intelectuais, e o livro pode ler-se de trás para a frente que não deixa de
fazer sentido. Para mim, ainda hoje, é um livro mágico. Há outros livros do
mesmo autor que me interessam mais, hoje em dia, mas as cidades invisíveis são
sem dúvida um marco na minha vida de leitora.
A.R.: Para Italo
Calvino a relação entre o tapete e a cidade é misteriosa. No tapete
contempla-se a verdadeira forma da cidade. Concorda?
A.A.: No tapete
temos a representação da cidade, que nunca será coincidente com a própria
cidade. A cidade é um organismo em permanente devir, e nunca será possível
encontrar um ponto zero. Se congelarmos a cidade no tempo, ela desfazer-se-á. A
coincidência entre a representação e a realidade nunca será possível, como nos
conta Jorge Luís Borges também, quando imagina, no Rigor da Ciência, um mapa
que coincidia ponto por ponto com o Império, um mapa da escala 1:1, que afinal
de desfez e virou ruína. Podemos escolher qual a nossa matriz: se partimos da
dita realidade objectiva e exterior ao sujeito ou da representação subjectiva,
que na minha opinião é tão válida e tão verosímil quanto a primeira.
A.R.: Que papel
atribui MC Escher?
A.A.: Escher
foi-me dado a conhecer andava eu no colégio ainda. O meu professor de desenho
ofereceu-me um livro de Escher, que me fascinou. Escher é um cientista do
desenho, um matemático criador, um génio da representação. A sua mestria
consiste em compreender exactamente quais as condicionantes da representação: a
bidimensionalidade, e trabalhar a partir desses constrangimentos. Se
conhecermos exactamente os dados do nosso problema, seremos provavelmente muito
mais eficazes na resolução dessa problemática. Escher sabia exactamente o que
tentava resolver pelo desenho.
A.R.: Existe
alguma influência de Alexander Brodsky e Ilya Utkin (arquitetos russos 1955)?
A.A.: Não existe
nenhuma relação directa, embora admire a obra deles. Agora que pergunta vou
pesquisar melhor, pode ser que responda à pergunta de forma diferente num
futuro próximo.
infoanaaragao.com
http://www.anaaragao.com
Sem comentários:
Enviar um comentário