Ana
Rocha: Quem é o Ricardo
Rodrigues?
Ricardo
Rodrigues: Trabalho
desde os 16 anos, estudo até ao 12º ano, entro para a faculdade – 1º ano de
Economia – e acabo por desistir. Não tenho formação superior. Aos 21 anos sou
gerente do Bit Bar. Tomo as rédeas da casa e sinto que tenho a oportunidade de
fazer um bom trabalho, de me diferenciar no mercado e de conquistar (algum)
reconhecimento, porque sempre fui muito criativo – gosto muito de festas temáticas,
de decorações e de pormenores que obriguem as pessoas a fotografar e a
partilhar – e, no Bit Bar, crio festas temáticas, estilo guerra de almofadas e wild west. A casa cresce de 100 pessoas
para 200, de 200 para 250, de 250 para 300 (…) e começam a falar do Bit Bar:
querem perceber como é que as coisas chegaram ali, quem é que impulsionou
aquilo, e eu acabo por conquistar algum reconhecimento. Em Leça da Palmeira, no
mundo da noite – não na hotelaria; não na restauração. Aos 27 anos atinjo o
pico no trabalho, mas não há sinergia. Não há uma comunicação igual. A minha
mulher e sócia, a Liliana – que está na Esquina do Avesso – era gerente da Lion of Porches e a Lion é vendida a uma empresa de Guimarães. Fazem acordos. A Liliana
vem embora. Nasce a Esquina do Avesso. Consegui mover o restaurante pelo
núcleo, mas o registo, a identidade que, durante o primeiro ano, era meio que
tradicional (uma casa de petiscos) fez-me perceber que eu não iria conseguir
criar impacto no mercado.
A.R.: A Carta da Esquina do Avesso era muito
diferente da que conhecemos agora?
R.R.: Sim!, folhados de alheira, pimentos
padrão, pataniscas de bacalhau (…). O registo tentava um twist, mas porque eu estava insatisfeito e aquele não era o caminho
que eu queria traçar, comecei a pesquisar. Quando conheci o Nuno, apresentei-lhe
o projecto: percebi que ele estava, em termos de criatividade, limitado e insatisfeito
no BH – que é muito direcionado para grupos – e desafiei-o a abraçar um
projecto grande numa cozinha pequena. A cozinha e o espaço são aqueles que estão
ali: têm cinco anos. A cozinha, no fim do segundo ano, foi toda renovada.
Investi o que tinha e o que não tinha! Foi uma transição complicada porque, com
a renovação da cozinha, perdemos 60% da clientela: o cliente chegava e dizia “já não é a mesma coisa”. Às vezes era
angustiante porque continuavam a aparecer clientes antigos e continuavam a
fazer aquele esforço – ainda continua a acontecer, numa escala diferente,
“antes é que era”. As pessoas iam à Esquina na expectativa de um restaurante de
petiscos, mas eu não o considero um restaurante de petiscos, e não o quero conhecido
como cozinha fine dining, mas somos técnicos, criativos e justos. Conseguimos
trabalhar com a técnica fine dining e
estrela Michelin com um produto de standard um bocadinho abaixo, e não
deixamos de ser muito criativos e de surpreender o cliente em termos de sabor.
A perspectiva da Esquina sempre foi essa – com um preço competitivo. O problema
do preço competitivo, para muitas pessoas, - obviamente que pagar 30/ 35€ é
puxado – é que não têm noção de quanto custa um chefe de cozinha, e a
capacidade técnica e o desperdício que tem um prato daqueles. Então é fácil
chegar à Esquina do Avesso e dizer que é inconcebível comer quatro mini-pratos por
35€ quando, aqui, no Terminal 4450, pagam o mesmo valor por um costeletão. A essência
é incomparável. O português gosta de ver o prato cheio. Ainda há muita gente
com pouca cultura gastronómica, mas também faz parte da nossa competência
educar as pessoas e o meu trajeto tem sido um bocadinho esse, principalmente em
Leça da Palmeira. Consegui fugir à baixa do Porto.
A.R.: Porquê fugir à Baixa do Porto?
R.R.: Porque sou de Leça da Palmeira, sou
filho da terra e tinha – tenho! – a perspectiva de criar postos de trabalho
aqui. As pessoas conhecem-me aqui. Sempre quis criar uma dinâmica diferente
para Leça da Palmeira. Na altura em que eu investi na Esquina do Avesso, o
Largo do Castelo estava a morrer –
estávamos, há 6 anos, no pico da crise – e aquilo precisava de uma
lufada de ar fresco… As coisas aconteceram. No final do segundo ano a Esquina
do Avesso ainda não era autossustentável: eu retirava dinheiro do meu bolso
para a fazer sobreviver. No final do terceiro ano, quando começou a haver sustentabilidade,
falo com o Ricardo Ribeiro – que é o meu sócio – e decidimos arriscar num
restaurante de sushi de fusão. Também
uma lacuna aqui, em Leça da Palmeira – e as coisas correram, logo de início,
muito bem. Foi um fenómeno!, as pessoas gostam muito de sushi! Actualmente, o
público das três casas é um público de gama média-alta: um público viajado, que
pesquisa, com noção e com poder de compra. A transição obriga-nos a perder
clientela mas, em contrapartida, a conquistar um cliente que nos dá muito gosto
servir.
A.R.: Como é que buscas esse cliente?
R.R.: O nosso posicionamento e o modo como
crescemos – o facto, inclusive, de sermos vistos como um grupo (agora) –, permite-nos
adquirir credibilidade pela diferenciação dos espaços, pelo produto e, também,
pela qualidade do serviço. Consigo ser perspicaz e encontrar pessoas jovens e
inteligentes, que percebem oportunidade de evolução na estrutura e que se
entregam – sobem em termos de rendimento e em formações – e essa proximidade
com o cliente, o calor humano, é preponderante. Para mim é fundamental. Uma
sala esconde, muitas vezes, o erro de uma cozinha e raramente uma cozinha
esconde os erros da sala. Tolera-se um erro técnico no prato, mas não a falta
de educação de um funcionário.
A.R.: A educação encontra retorno? O cliente
é educado com o funcionário?
R.R.: Às vezes as pessoas não percebem que se
forem simpáticas connosco fazemos de tudo para as agradar. Às vezes as pessoas
entram em termo de arrogância connosco e tratam-nos um bocadinho como lixo –
ainda há muito cliente que acredita que as pessoas que trabalham na restauração
são pessoas ignorantes e com pouca inteligência – e nós também o gerimos, fazemos
a mesa da outra forma, com outra frieza, sem calor humano. O trabalho de proximidade
e de fidelização é nosso.
A.R.: Os Recursos Humanos são um problema?
R.R.: Daqui a três, quatro anos. Porquê?, porque
trabalhar em restauração implica trabalhar 12h/13h/14h por dia e esse acaba por
não ser, para o trabalhador – em termos pessoais – um jogo equilibrado. Na
Suécia, vemos restaurantes fazer imenso dinheiro – patrões e funcionários –,
num esforço que é recompensado monetariamente. Em Portugal, o trabalho deve ser
mais bem pago. Então, encontrar pessoas das boas para trabalhar, das que vestem
a camisola e sentem o projecto – jovens e com pinta – é difícil, porque esse
staff chamativo não aparece para trabalhar. Hoje, na sala, só tenho duas
pessoas que se mantêm desde o início. E essas, que me têm acompanhado – também financeiramente
– estão bem melhor que as outras, mas custa-me chegar aqui e saber que, em
termos pessoais e sociais, as prioridades estão trocadas.
A.R.: Quais são as prioridades?
R.R.: O equilíbrio entre o trabalho, a família
e o bem-estar (desporto e saúde). Quem está nesta área, basicamente, tem
trabalho. Isto não é só belo.
A.R.: Também há dias bons…
R.R.: Há dias espetaculares. Há dias de
clientes incríveis, que percebem de vinho, percebem de carne e sabem valorizar
o que se está a fazer. (…) Mas também há clientes mal-educados, e chegamos a
uma altura em que os empregados não são subservientes.
A.R.: O cliente não tem sempre razão?
R.R.: Não, de todo!, mas nós também não temos
sempre razão e o meu maior desafio tem sido esse: o de perceber que estamos na
crista da onda – e que os funcionários também sentem isso – , mas que
precisamos de nos reeducar para não nos vermos como os maiores. Manter o espírito
de humildade para não responder torto e para não desvalorizar o cliente, porque
o volume é tanto, mas isso não vai ser assim para sempre porque quando deixas
de ser moda o que te vale é a fidelização e é nisso que eu estou concentrado.
Em formatar a cabeça deste pessoal para perceber que estamos na crista da onda
e devemos usufruir disto – porque é incrível, é espetacular – mas no futuro o
que conta é a fidelização.
A.R.: E os prémios?
R.R.: Os prémios não te dão dinheiro: dão-te
reconhecimento. São importantes porque te ajudam a abrir outro espaço e a ter credibilidade
na praça, mas o que conta é o cliente. A proximidade com o cliente é
importantíssima.
A.R.: Terminal 4450 II: vai abrir?
R.R.: Conheço exemplos de quem abre segundo e
terceiro restaurantes e cuja marca sai fragilizada. As pessoas encontram sempre
termos de comparação. Eu preocupo-me com a continuidade da marca. Se estamos
aqui é para sermos os melhores. E eu gosto de concorrência.
A.R.: Quem é a concorrência?
R.R.: Na Esquina do Avesso, nesta altura do
campeonato – não querendo ser presunçoso –, na categoria de petiscos, temos um
amor àquilo que fazemos acima do que os outros estão a fazer.
A.R.: Disseste-me que a Esquina do Avesso não
é um restaurante de petiscos. O que é?
R.R.: É um fine dining justo. Sem pretensões de estrela Michelin, é um
restaurante que tenta adaptar técnicas de estrela Michelin a um preço
competitivo. Acho que não há, ainda, em Portugal, um nome que defina o que
fazemos na Esquina do Avesso. Aquelas três palavras que te disse – técnico,
criativo e justo – são as palavras que definem a Esquina. A Esquina do Avesso
tem, realmente, o ar trendy de casa
de petiscos, mas a experiência gastronómica é diferente. No Porto não há igual.
A.R.: E a Concorrência do Terminal 4450?
R.R.: O Terminal 4450 tem uma particularidade
que os outros não têm. O espaço. A decoração do Terminal 4450 provoca
fotografias em redes sociais para bloggers,
para foodies, para prémios trendy e entrevistas. Soma-se o produto que
é muito equilibrado – fazemos um aproveitamento interessante do animal – e a
vista que é, em si, um pormenor que nenhum dos outros tem. Dizer que, no Porto
e em Portugal, quando pensamos em carne pensamos em robustez, em brutalidade, e
essa foi, aliás, a palavra que me ajudou
a pensar no conceito: a brutalidade do animal, da carne, o machado, o osso (…).
Quando vês a Comunicação do Terminal 4450 vês muito isso: o osso, a carne, as
madeiras rústicas, as facas espetadas na conta. Todos os pormenores acrescentam
valor e contribuem para uma conotação diferente. No Porto, acabamos por ser
únicos neste registo. Sinto que conseguimos captar a atenção das pessoas que
iam, por tendência, para a Baixa do Porto e que, agora vêm para aqui. Tenho
casa cheia (quase) todos os dias. Às vezes corro a Baixa do Porto, rolo as
ruas, e percebo que há muitas casas cujo volume, durante a semana, não enche.
Casas a pagar rendas astronómicas! Aqui, com um nicho de mercado, conseguimos
ter sustentabilidade. Não há concorrência directa ao nosso posicionamento
actual, que é equilibrado e justo.
A.R.:
Há quem entre no
negócio por paixão e há quem entre no negócio por acaso. No teu (a)caso…?
R.R.:
Eu sempre quis ter um
restaurante.
A.R.:
Neste momento tens
três.
R.R.:
Sim, e não me considero
o melhor, mas quero ser o melhor. Então, estudo quem é o melhor e aproprio-me
disso de modo adequado ao mercado e com um alinhamento ligeiramente diferente.
Sinto que é um desafio, porque o mercado é mutante, mas forma-nos e torna-nos
mais inteligentes. Ter a perspectiva de evoluir é importante para crescer e
para despertar sentidos. A competição, que nem sempre é saudável e que implica,
às vezes, decisões erradas, obriga-te a crescer. Sinto-me uma pessoa mais
activa, mais dinâmica intelectualmente e, quando me reencontro com pessoas que
já conhecia, consigo ler no semblante delas “como
é que este gajo chegou aqui?”. Valorizo muito a amizade mas, neste momento,
não a consigo alimentar porque a vida não o permite. Sempre que posso, nesse
registo, continuo a ser a mesma pessoa.
A.R.: Tens feito novos amigos?
R.R.: Exactamente como na noite – falam
contigo, mas no dia seguinte não te conhecem. Na restauração passa-se (um
bocadinho) o mesmo: continuam a haver muitas barreiras entre pessoas,
empresários e chefes de cozinha. Às vezes não é permitido criar sinergias. Há
alguma inveja. A minha mãe sempre me disse que os nossos amigos gostam de nos
ver bem mas nunca melhor do que eles, e eu sinto um bocado isso. Tenho
conhecido pessoas interessantes e aprendido coisas interessantes, mas
amizades?, isso são coisas que se constroem.
A.R.: Podemos ser optimistas?
R.R.: Nota-se que há optimismo no consumo. As
pessoas estão mais predispostas a gastar dinheiro. A venda de vinho em cadeias
caiu, por exemplo, porque as pessoas gastam mais dinheiro em restauração. Agora,
o cliente que gasta dinheiro é muito certeiro acerca do local onde o vai gastar.
Tens de ser mesmo muito apetecível.
E, até ser apetecível, eu demorei cinco anos. Então, a questão é: tens
predisposição para viver um negócio que ainda não é autossustentável ou não?
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