Ana Rocha: Quem é o Guilherme Fontes Tavares?
Guilherme Fontes Tavares: Médico Dentista, nascido e criado em Oliveira de
Azeméis, convertido a Guimarães e com coração no Porto. Eterno curioso e apaixonado pelo que me rodeia, acho que o humor e o
amor são a chave de tudo e é assim que gosto de encarar a minha vida. Tudo
o que faço é sempre nesta base fundamental. Gosto de estar com amigos... Não
consigo estar sozinho. Gosto de cozinhar. Não dispenso boa música, comida
tradicional, jogos do Futebol Clube do Porto... E um copo de vinho! Como não
sei lidar com estas coisas, estou a dar esta entrevista ao sabor de um Porto
Vintage... Espero que o volume não se note!
HM Dental Clinics
A.R.: Porquê Medicina Dentária?
G.F.T.: Estava
destinado. Desde uma idade muito precoce que as Ciências despertaram interesse
em mim, sentia um fascínio e uma curiosidade tremenda pela fisiologia do ser
humano. Depois, e creio que por influência dos meus pais, a Medicina
vislumbrava-se como um sólido garante de um futuro risonho e estável – não só a
nível profissional, como social. Essa era a ideia transversal dos anos 80/90, e
a minha geração (Y) sempre viveu nessa ânsia... Ensino Superior era a
obrigatoriedade e, se fosse Medicina, melhor! Eu sempre vi com bons olhos essa
ideia. Tinha interesse, adorava ajudar os outros e comunicar: a tríade
essencial para que as coisas se desenrolassem com naturalidade. Por volta dos
12 anos, pela mão da minha mãe, vou a uma consulta de Medicina Dentária. Na
altura, receoso e ansioso pelos estereótipos criados pela sociedade, a medo...
Mas rapidamente me apaixono pela voz doce da minha Médica Dentista; do seu
carinho e do seu anestésico tópico de morango! Tornei-me paciente assíduo do gabinete.
Ia sozinho às consultas...12 anos! Cedo
percebi que o medo do Dentista se perdia com uma loiraça de 30 e poucos anos a
tratar-nos com meiguice. Creio que começou ali a minha paixão pela
profissão. Na candidatura ao Ensino Superior optei pela Medicina Dentária.
Compreendi que estava no lugar certo e não voltava atrás nessa escolha.
A.R.: Como pontuamos a evolução da
Medicina Dentária?
G.F.T.: A Medicina
Dentária tem tido uma franca evolução nos últimos anos. Em pouco mais de uma década verificou-se uma clara mudança de
paradigma: a manutenção do dente é primordial, bem como a recuperação da
sua estrutura de forma conservadora e previsível. No passado, em contraste, a
grande maioria dos dentes era condenada à extracção. Hoje, não só com os avanços tecnológicos e científicos mas também com a
facilidade no acesso à informação e à tecnologia, Portugal encontra-se no mesmo
patamar do que de melhor se faz pelo mundo fora. Esta evolução é diária e
de tal forma galopante, que acaba por ser um grande desafio para os clínicos
para se manterem actualizados. A formação não pode nunca parar. Apesar de ser uma profissão relativamente
recente em Portugal, arriscaria dizer que temos, no nosso país, muito
provavelmente, alguns dos melhores profissionais da Europa e do Mundo.
Felizmente, vou tendo a sorte de trabalhar e aprender com alguns, o que aporta
uma grande vantagem para o meu percurso profissional.
"Em pouco mais de uma década verificou-se uma clara mudança de
paradigma:
a manutenção do dente é primordial, bem como a recuperação da
sua estrutura de forma conservadora e previsível."
A.R.: Pacientes ou clientes?
G.F.T.: Sinto que
me fazes esta pergunta com ratoeira (risos). Do ponto de vista Ético e Deontológico,
vemos os nossos utentes como doentes ou pacientes. Inclusive, é assim que os
tratamos. Não faz sentido ser de outra forma, tem que haver uma conduta
essencial ao exercício da profissão. O
Médico Dentista não pode exercer uma actividade comercial, deve sim assegurar
ao doente a prestação dos melhores cuidados de saúde oral ao seu alcance. E
creio que isto é muitas vezes confundido. Por considerarem a actividade demasiado
onerosa, e por ser uma actividade essencialmente desenvolvida no sector
privado, facilmente sentem que o Médico Dentista visa obter benefícios
económicos ilegítimos. "Nós
vendemos a única coisa que não tem preço: a saúde".
A.R.: Com o surgimento de grandes
grupos e redes de Clínicas de Medicina Dentária pode assistir-se a uma
"clientelização" do paciente. Qual é o teu parecer?
G.F.T.: Não tenho
dúvidas. Não se esgota na Medicina Dentária. Os Hospitais Privados são
geridos por economistas e por gestores e o seu objectivo principal não é tratar
doentes, é obter enormes e avultados lucros para que possam dar retorno aos
seus accionistas. E aí a história conta-se de outra forma: na Medicina Dentária
há excesso de profissionais, o que gera muita oferta e um aumento da mão-de-obra
barata. Os grandes grupos económicos exploram essa fragilidade, mantendo os
colegas em situações laborais delicadas e que se vêem na necessidade de faturar
para pagar as suas contas. Há muita falta de honestidade, há muita publicidade
enganosa e o doente por vezes não consegue triar estas situações...
A.R.: É negativo o aparecimento de
grupos para a Saúde Oral portuguesa?
G.F.T.: Em parte
não, porque com a força dos grupos e a divulgação dos seus serviços, despertam
na sociedade o alerta para a consciência e para as melhorias da sua saúde oral.
Por outro lado, e pelo que já abordei anteriormente, essa pressão económica que
é evidente, não deveria existir. A meu ver, o doente deve estar consciente e
informado. Costumo fazer uma comparação com o têxtil. Se eu quiser comprar um
fato, tenho várias opções no mercado, desde o mais acessível retalhista têxtil
até ao alfaiate. Cabe-me a mim decidir o
que quero para a minha saúde… E sem dúvida que o fato feito à medida será
mais oneroso mas, no final, vai compensar a escolha.
A.R.: Qual a tua opinião
relativamente aos seguros de saúde?
G.F.T.: Nas
clínicas onde trabalho (Hélder Moura Dental Clinics – passo a publicidade), não
trabalhamos com seguros. Os preços baixos impostos por estes obrigar-nos-iam a
reduzir a qualidade dos serviços que prestamos aos nossos pacientes. E isso não
se reflete na nossa política de qualidade, no nosso mantra. Queremos dar ao
doente o melhor tratamento ao alcance. Existe
hoje muita discriminação no tratamento dos doentes que beneficiam de seguros de
saúde. Por serem vistos como "doentes menos rentáveis" – lá está, a
clientelização, com a qual não nos revemos –, os materiais e equipamentos
usados são de menor qualidade, o tempo de consulta vê-se reduzido e os médicos
dentistas acabam por prestar um tratamento menos adequado às necessidades do
doente.
"Existe
hoje muita discriminação no tratamento dos doentes que beneficiam de seguros de
saúde. Por serem vistos como "doentes menos rentáveis" – lá está, a
clientelização, com a qual não nos revemos –, os materiais e equipamentos
usados são de menor qualidade, o tempo de consulta vê-se reduzido e os médicos
dentistas acabam por prestar um tratamento menos adequado às necessidades do
doente."
A.R.: A estética é uma prioridade
para a população portuguesa?
G.F.T.: Felizmente,
a população portuguesa mudou a relação
que tinha com a Medicina Dentária e passou a ter uma atitude mais preventiva do
que curativa. Vivemos num mundo em que impera a imagem e, obviamente, o
sorriso tem um papel preponderante na harmonia facial. As redes sociais, as
figuras públicas, as bloggers e influencers acabam por dar um estímulo
extra para esta preocupação. De qualquer
forma, antes de se pensar em estética, dever-se-á pensar em saúde! E não
podemos menosprezar o que se passa com a nossa cavidade oral, uma vez que a
boca não está dissociada do resto do organismo. Atendemos, frequentemente,
doentes nos quais a principal preocupação é a estética anterior da boca, embora
apresentem os seus dentes posteriores num estado critico de conservação. É esta
mudança de atitude que creio que ainda falta alcançar.
"Felizmente, a população portuguesa mudou a relação
que tinha com a Medicina Dentária e passou a ter uma atitude mais preventiva do
que curativa."
A.R.: Que relação entre estética e
saúde?
G.F.T.: Não há estética sem saúde. Sobretudo quando
falamos de estética dentária. Desmistificando a ideia de grande parte dos
doentes, a estética dentária não se esgota em dentes brancos e alinhados. Para
haver estética, deverá haver um enquadramento harmonioso do sorriso com a
restante face, na qual, muitas das vezes, a oclusão apresenta um papel
importantíssimo no contributo para a estabilidade ortopédica e neuromuscular do
sistema estomatognático. Como referia anteriormente, os dentes posteriores têm
um papel importantíssimo na manutenção desta estabilidade. Sinto também que se dá demasiado valor à perfeição do sorriso e menos à
ausência de cáries ou outro tipo de patologias da cavidade oral. A virtude está
no equilíbrio. A grande maioria das pessoas esforça-se para agradar no seu
meio, procurando tirar proveito das características que julgam ser mais
valorizadas em si. O sorriso poderá ser uma delas. No entanto, frequentemente,
entram em obsessão, pressionadas pelo impacto das redes sociais, perseguem
padrões estéticos que não existem na natureza, nem se traduzem em saúde. Senão
vejamos, não existem dentes branco opaco (o branco dos frigoríficos) na
natureza. No entanto, é o pedido de grande parte dos pacientes, que não se
apercebendo da manipulação fotográfica de grande parte dos exemplos que seguem,
perseguem a utopia. Por vezes, esta
pressão social, arrasta uma pressão psicológica. Uma busca pelo que não existe.
A estética vai ser sempre subjectiva. O belo para mim, não será seguramente o
mesmo para ti. A ideia chave que eu defendo é que a saúde deverá vir em
primeiro lugar, e um sorriso saudável,
será certamente um sorriso bonito!
"A estética dentária não se esgota em dentes brancos e alinhados."
A.R.: A estética imita a natureza?
G.F.T.: A estética,
na sua componente filosófica, estuda a natureza, a beleza e os fundamentos da
arte. A estética, principalmente a
dentária, deveria basear-se na natureza. E porquê? Porque a natureza leva
milhões e milhões de anos de aprimoramento até conseguir estruturas perfeitas.
Quando reabilitamos ou substituímos um dente, a melhor referência que temos é o
dente intacto. Este apresenta, para além de uma estética única, com forma,
volume, textura, translucidez, opalescência, um comportamento mecânico, uma
função e um princípio biológico. Por isso, seguimos hoje na Medicina
Dentária aquilo a que chamamos um princípio biomimético. Ou seja, tentamos
imitar, mimetizar, o que observamos na natureza, na vida. (Biomimesis provém do
grego, bio que significa vida e mimesis que significa imitação). Dou-te um
exemplo prático. Se fracturares um dente anterior e optares por um tratamento
biomimético, muito provavelmente o plano de tratamento passaria pela adesão de
facetas em cerâmica feldspáticas com uma resina composta. A dureza da cerâmica
feldspática não só permite uma característica óptica semelhante ao dente
natural, bem como apresenta uma dureza equivalente à do esmalte. Já a resina
composta que ficará sob essa cerâmica, tende a simular a estrutura que diz
respeito à dentina do dente. No passado, muito provavelmente, o que seria feito
seria um tratamento endodôntico (vulgarmente conhecida por desvitalização) do
dente, colocação de um espigão metálico e cimentação de uma coroa
metalo-cerâmica (com uma base em metal, um opaco e um revestimento cerâmico).
Ora, para além de se perder a vitalidade do dente, estas estruturas por serem
demasiado rígidas, iriam sobrecarregar a estrutura remanescente do dente e a
sua consequente falha mecânica a médio prazo. Este é o motivo pelo qual, nos
dias de hoje, reabilitamos os dentes com materiais com uma dureza muito
aproximada à dos dentes a tratar, inspirados por aquilo que a natureza criou e
aperfeiçoou. Por outro lado, quando os
doentes nos pedem dentes brancos e alinhados, há que instruí-los que na
natureza há uma naturalidade, há uma forma e um princípio. Um dente não é
completamente liso e de um tom uniforme. Tem um tom mais amarelado e mais
cromático junto à gengiva e uma área mais translúcida na sua extremidade. Tem
várias curvaturas. Apresenta cúspides e sulcos. E tudo isso é estética. E sempre
que estiver ao nosso alcance, deverá ser recriado. Custa-me muito ver
restaurações em que pedaços de compósito (vulgar massa branca) são
literalmente, e desculpem-me a expressão, "chapados" nos dentes, sem
rigor pelo natural, sem arte e sem critério. Choca-nos ver dentes branco
frigorífico no sector anterior e os doentes procurarem isso. Temos que educar
os nossos doentes. Sobretudo sobre as suas expectativas, dado que muitas vezes
chegam com sonhos irreais, porque vêem determinado programa na televisão e como
tudo foi rápido, e não percebem que isso se traduz em meses de tratamentos e
consultas.
"Um dente não é
completamente liso e de um tom uniforme. Tem um tom mais amarelado e mais
cromático junto à gengiva e uma área mais translúcida na sua extremidade. Tem
várias curvaturas. Apresenta cúspides e sulcos. E tudo isso é estética."
A.R.: Quais são as frustrações de
um Médico Dentista?
G.F.T.: Para mim, o mais frustrante é despender de
tempo e dinheiro em formações, de investimento com material e recursos
técnicos, de tempo de cadeira com o doente para, de forma apaixonada, lhe
devolver ou recuperar o seu dente e não sentir que esse esforço foi valorizado.
Sentir que na grande maioria das vezes o doente vai em busca do preço. E de
valorizar apenas se a consulta foi rápida, se o Médico foi simpático e se não
fez doer. Entristece-me que não valorize todos os outros aspectos. A manutenção
da saúde e o ato clínico em si. Costumo frequentemente dizer aos meus
colegas que trabalho para mim, porque sigo os meus ideais e quero oferecer
sempre o melhor ao meu doente, embora busque mais isso que o próprio doente.
Dou-te um exemplo, na HM Dental Clinics, clínica onde trabalho, investem-se
anualmente milhares de euros em recursos técnicos, temos um director clínico, o
Dr. Hélder Moura, que dá dezenas de conferências nacionais e internacionais, é
aclamado pelos pares e reconhecido como grande profissional, uma equipa jovem,
simpática e atenciosa, e muitas das vezes o que ouvimos do doente é: "Para este tratamento não é
melhor ir ao Porto?". Será que a ciência e os equipamentos não
chegaram a Guimarães? Estar no Porto ou em Lisboa será sinónimo de maior
qualidade e mais competência?
A.R.: Os portugueses têm boa
higiene oral?
G.F.T.: A Ordem dos
Médicos Dentistas (OMD) tem vindo a desenvolver um Barómetro da Saúde Oral,
onde analisa os hábitos, o acesso, as percepções e motivações da população
portuguesa relativamente à oferta de cuidados de saúde dentários. De acordo com este barómetro, os
Portugueses aparentam ter bons hábitos de higiene oral apesar de se verificar
uma acentuada perda de dentes naturais, e destes doentes a quem faltam dentes
naturais, só 45% apresentam dentes de substituição. Apenas 30% dos portugueses
têm a dentição completa. 8% da população tem mesmo a falta de todos os dentes.
Uma situação que afecta significativamente a capacidade de mastigar, engolir,
falar, sorrir, bem como todos os problemas daí decorrentes. Há uma tendência
positiva para a inversão destes números, mas ainda existe um longo caminho a
trilhar, nomeadamente na educação e instrução das populações para a necessidade
de bons hábitos de higiene oral, bem como de visitas regulares ao médico
dentista.
"Os
Portugueses aparentam ter bons hábitos de higiene oral apesar de se verificar
uma acentuada perda de dentes naturais, e destes doentes a quem faltam dentes
naturais, só 45% apresentam dentes de substituição. Apenas 30% dos portugueses
têm a dentição completa. 8% da população tem mesmo a falta de todos os dentes."
A.R.: O que é que te faz sorrir?
G.F.T.: Um sorriso,
com a boca ou com o olhar; um momento entre amigos, em família, um golo do Futebol Clube do Porto.
Levar a vida a sorrir será sempre a melhor forma de encarar o presente e de
mudar o mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário