No
quesito literário, a minha vida foi pautada pela ausência de referências*. O meu pai treinara a memória para
recordar, pelas décadas que o hábito não cumpriu, os livros que lera ainda adulto
emergente mas o hábito, perdido no bulício dos dias, custar-lhe-ia a assunção
de que na literatura, como na vida – em geral –, aplica-se um princípio
fatalista: o que não melhora esmorece.
Esta
foi uma caminhada solitária.
Margarida
Rebelo Pinto e Nicholas
Sparks, no começo, manutenção e despertar para literatura melhor. Eça de
Queirós, José Saramago, Jane Austen, Emily Bronte, Aldous
Huxley, Jack Kerouac, etecetera, depois. À data da primeira Licenciatura
– Ciências da Comunicação, Universidade do Minho –, um desvio sob
influência da personagem que Renée Zellweger interpreta, Bridget
Jones – Men Are From Mars, Women Are From Venus –, para regressar, à
data de ingresso no Mestrado Integrado em Psicologia, à Literatura Clássica.
Frequência
em Unidades Curriculares, Artigos Científicos e Manuais Académicos. Arrumo os livros
de autoajuda, versões simplificadas de uma Ciência – a saber, a Psicologia – e
passo a resistir em ceder a sugestões que pouco problematizem a vida. O Homem em Busca de Um Sentido, de Viktor E. Frankl, merece esse lugar
– vulgo, o da estante – sem que se lhe tenham sido poupadas as costumeiras
reticências de então.
“Nascido
na Áustria em 1905, Viktor Emil Frankl formou-se em Neurologia na Universidade
de Viena, onde viria a doutorar-se em Psiquiatria. Especializado no estudo da
Depressão e do Suicídio, viria a ser influenciado no início por Sigmund Freud e
Alfred Adler, de quem se afastaria mais tarde. Ao desenvolver um programa
pioneiro junto dos estudantes vienenses, que reduziu a zero a taxa de
suicídios, foi convidado a trabalhar com Wilhelm Reich.
A
sua brilhante carreira viria a ser interrompida pela ascensão do Nacional
Socialismo. E quando lhe ofereceram a hipótese de emigrar, decidiu permanecer
na Áustria, para cuidar dos pais. Em 1942, foi deportado para um gueto, e mais
tarde para o campo de concentração de Auschwitz.
No
fim da guerra retomou o seu trabalho, imprimindo-lhe uma direcção completamente
nova. Desenvolveu a Logoterapia, que divulgou como professor em várias
universidades de Viena a Harvard. Quando morreu, aos 92 anos, tinha recebido 29
doutoramentos Honoris Causa e a sua obra estava traduzida em mais de 40
línguas.”
Em
Nota Introdutória, Harold S. Kushner escreve que “este é, antes de
mais, um livro sobre sobreviventes”. Três capítulos – I. EXPERIÊNCIAS NUM
CAMPO DE CONCENTRAÇÃO; II. LOGOTERAPIA SIMPLIFICADA; PÓS-ESCRITO 1984 – compõe um
livro que, atrevo-me a escrever, é para sobreviventes. Quem são – hoje –
os sobreviventes? Definir sobrevivência sob o pano de fundo que é o Campo
de Concentração pode parecer um exercício desonesto: a nossa vivência é, em
condições, um privilégio. N’O Homem em Busca de Um Sentido reforço o que
já sabia: a subjectividade individual vence o que consideramos objectivo
e, mais ainda, a subjectividade do outro. Cada um decide ao que sobreviver.
Podemos
ajudar a decidir pelo que sobreviver. “O preso que perdesse a fé no
futuro – o seu futuro – estava condenado. Ao perder a crença no futuro, perdia
igualmente o controlo espiritual; deixava-se decair e ficava sujeito a um
definhamento físico e mental. (…) Aqueles que conhecem a estreita ligação entre
o estado de espírito de uma pessoa – a sua coragem e esperança, ou a falta dela
– e o estado de imunidade do seu corpo perceberão que a perda súbita de
esperança e de coragem pode ter um efeito mortífero.”
Reestabelecer
o estado de espírito de uma pessoa é apontar uma oportunidade de sentido – um
objectivo futuro, um propósito, uma meta – que valha as “terríveis condições
da sua existência”. O infortúnio não valoriza o sentido – não acrescenta
valor, não é um mal necessário –, e não o desvaloriza. “Quando um homem
descobre que o seu destino é sofrer, terá de aceitar esse sofrimento como a sua
missão. (…) A sua oportunidade única reside na forma como carrega o fardo.” Carregar
o fardo, para Viktor E. Frankl, é expressão cunhada de carácter performativo: respondemos
ao destino assim que agimos.
A
Busca de Um Sentido pode descrever uma “angústia existencial, mas não é
de forma alguma uma doença mental”. Para a angústia existencial, “o
papel do logoterapeuta consiste em alargar e ampliar o campo visual do
paciente, de modo a que todo o espectro de sentido potencial se torne
consciente e visível para ele”. A Logoterapia coloca o paciente no centro
do processo – como responsável pelo sentido da vida – e defende que a
transitoriedade da existência – a morte – não destitui o sentido. A
transitoriedade da existência é a responsabilidade com a realização. “Os
únicos aspectos realmente transitórios da vida são as suas potencialidades;
mas, logo que são efectivadas, tornam-se realidades nesse preciso instante; são
salvas e entregues ao passado, no qual são resgatadas e preservadas de
transitoriedade”.
Para
Viktor Emil Frankl, a liberdade é limitada mas o sentido da vida é
incondicional. “Não se trata de uma liberdade em relação às condições,
mas de uma liberdade de tomar posição relativamente a essas condições.”
Recomendado.
*António Aleixo, Camilo
Castelo Branco, Eça de Queirós
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