Ana
Rocha: Quem é o
Godmess?
Godmess:
Quem é o Godmess… O
Godmess é um projecto. No graffiti
toda a gente tem um nickname e eu
tinha um: Go Mes. Há ali um momento, no entanto, em que começo a desenvolver um
conjunto de ilustrações, grafismos e conceitos que são mais ou menos coesos e que
têm uma linguagem comum e deixo de me identificar com o nome. Sinto que preciso
de algo que represente o que estou a fazer. O Godmess é isso. Surge como projecto
e torna-se num nome. As estórias e
as ideias que eu trabalho, antes mais desconexas, começam a ganhar a forma e
precisam de identidade. O Godmess traz essa identidade.
A.R.: Como é que tudo começou?
G.: Tudo começou com o graffiti. Eu andava na Francisco Torrinha, afastado do centro da
cidade, quando entro para a Soares dos Reis e vejo montes de coisas a
acontecer. Na minha turma havia dois rapazes que já pintavam e, por viver isso de perto, com eles, inscrevi-me num workshop dos Maniaks. Uma semana depois, esses rapazes convidaram-me
para pintar. A partir daí, todos os fins-de-semana eram destinados às
experiências em fábricas abandonadas, principalmente em Gaia - mas também no
Porto. Não tínhamos autorização
para pintar nessas fábricas, mas avançávamos os
muros e passávamos lá tardes inteiras a pintar coisas ridículas. Eram dias
eram incríveis, e havia trabalhos incríveis! As fábricas eram o céu… Entretanto, fazia Design Gráfico na Soares dos Reis – que escolhi pela vertente do
desenho.
A.R.:
Porquê a Soares dos
Reis?
G.: Ironicamente, eu estava indeciso entre
Desporto e Arquitectura quando me falaram nessa escola (precisamente pela
componente de desenho). Fiquei curioso, fui lá fazer uma visita e
candidatei-me. Na altura não tinha muita informação, mas falaram-me tão bem da
escola… Além disso, estava localizada no centro do Porto e eu só vinha aqui aos
Domingos. Eu sou de Lordelo do Ouro, não é longe – também não é no centro. Então,
eu costumava ir para a zona da Foz. Centro, só ao fim-de-semana para ir à feira
dos pássaros ou, então, à Vandoma. Não me lembro de ir ao centro com
regularidade e, na altura, isso foi mesmo aliciante.
A.R.: Supondo que tenhas concluído o
secundário… O que fizeste depois?
G.:
Na altura não concluí. Fiquei
com uma disciplina por fazer. Mais tarde, entrei em Multimédia, na Faculdade de
Belas Artes, Universidade do Porto, mas não gostei: fiz parte do segundo ano e
saí. Não era para mim. O racional teórico é,
ainda, muito fechado: pintar com spray,
por exemplo, para alguns professores, é alienismo. (…) Alguns aconselharam-me a continuar. E continuei: saí, e continuei a fazer trabalhos.
A.R.:
De Design?
G.:
Não, de pintura. Os
meus primeiros trabalhos foram com o Kinörm, o baterista dos Ornatos Violeta.
Ele é ilustrador e pintor e apostou em mim – convidou-me para trabalhar com
ele. Eu tinha um interesse velado pelo graffiti
e a street art não me interessava.
Foi ele que ma mostrou.
A.R.:
Qual é a diferença
entre o graffiti e a street art?
G.:
O termo graffiti é frequentemente utilizado como
sinónimo de graffiti e de street art, mas o graffiti tem uma identidade e regras das quais a street art se afastou. Graffiti são
letras com regras e uma atitude que a street
art não tem: interessa pintar muito; interessa ser rude. A street art é mais abrangente: pintura e instalação;
projecção e performance. (…) A verdade é que, pela sua essência, eu nunca me
identifiquei muito com o graffiti e, por
isso, pintava em fábricas, e não na rua. Aqui que está o contraponto entre o graffiti e a street art: o street artist
tem cuidado no modo de aplicar aplica a sua arte.
G.: Recebo, e recebia, contactos de
empresas de particulares: comecei por coisas pequenas – paredes de salas e de hostels, workshops, projetos sociais – e hoje faço exposições. Este ano já
estive em Berlim e na Lituânia.(…) Mas faço, também, muitas coisas ilegais.
A.R.:
A evolução da street art no Porto é resultado de um
processo gradual? Tenho a impressão – não sei se certeira – de que nos últimos
anos, mais do que um desenvolvimento graduado, se tem registado um boom.
G.:
O Rui Rio, anterior
presidente da Câmara Municipal do Porto, desvalorizava questões relacionadas
com a arte urbana e com a cultura da cidade mas, no final do mandato, (quase)
instituiu a arte urbana como crime. A cidade ficou, então, “limpa” e a arte
urbana era quase inexistente. Com a entrada do Rui Moreira legalizaram-se
murais, fizeram-se projetos e propuseram-se acordos com os artistas.
A.R.:
A street art, assim
como o fast fashion, é uma tendência
que se regista agora e que, em poucos anos, nos vai fartar?
G.: Não
– não, pelo menos, para já. A street art
continua a dar que falar: vêem-se artistas a viajar pelo mundo, vêem-se
exposições e vê-se um trabalho que vale cada vez mais dinheiro. Não será,
portanto, uma tendência a curto prazo: (a existir) será uma tendência com mais
de dez ou vinte anos. Quando, lá fora, se perceber que vai abrandar, à partida,
o nosso país viverá o apogeu. São suposições – mas podemos fazer esta analogia.
Além disso, no nosso país, muito está ainda por fazer. E se calhar, porque não
somos tantos, a coisa não se vai reduzir aos grafitters: o trabalho de intervenção vai incluir designers, ilustradores, artistas
contemporâneos... Então, o movimento pode ter uma abordagem diferente e uma
longevidade maior.
A.R.:
A propósito da arte contemporânea:
que dizer sobre o preconceito?
G.:
Acho que há, por parte
daqueles que fazem arte contemporânea e que estudam arte contemporânea preconceito.
Mais em Portugal – lá fora, os preconceitos são mais diluídos. É que a street art, ao contrário da arte
contemporânea, está ao dispor do ensejo de cada um: estar rua é ser artista. Esse
é um ponto de confronto que os desagrada porque, defendem, a street art, ao contrário da arte
contemporânea, é muito fácil de digerir. Não é! Muitos artistas exploram isso,
e têm trabalhos reflexivos (…), não lhes chamo conceptuais para não chatear ninguém.
A.R.: Que mensagem tentas transtimir?
G.:
Não gosto muito de
falar do meu trabalho porque toca, frequentemente, em estórias de pessoas que
me são próximas. Em todo o caso, estórias de amor – quem não as vive? –, são
universais.
A.R.:
As tuas intervenções
são sobre amor?
G.:
Grande parte, sim, é a
maior fonte de inspiração. Seja lá o que isso for.
A.R.:
És romântico?
G.:
Não sei se vivo muito
desse romantismo. Sou uma pessoa muito terra-a-terra. Não que o romantismo não
possa ser terra-a-terra, mas não é por aí: não sou deslumbrado, nem fantasioso
por natureza. O meu trabalho é mais… Um diário ilustrado sobre a vida.
A.R.:
Dos outros…
G.:
Sobre a vida. Dos
outros e da minha, também. Inspiro-me em coisas que acontecem comigo, com os
outros e em coisas que acontecem com os outros e que se relacionam comigo (ou não).
O eu, por si só, não é suficiente
para trabalhar.
A.R.:
Quem é que te inspira?
Que artistas?
G.:
Colectivo Rua, SEM, Hazul
(…), outros mais. Não são sempre os mesmos. Há artistas com quem me identifico
apenas por fases.
A.R.:
A street art pode ser um agente de mudança social?
G.:
Sim, e tem sido usada para:
as autarquias têm recorrido à street art
para intervir em espaços que, pela sua natureza, tornam difícil a implementação
de mudanças sociais. O princípio aplica-se à arte em geral, mas é possível que
a street art demonstre, de momento,
maior preocupação.
A.R.:
Como descreverias
aquilo que fazes, numa frase?
G.:
Sou um artista
multidisciplinar.
A.R.: Por onde podemos acompanhar os teus
projetos?
Sem comentários:
Enviar um comentário