terça-feira, 27 de junho de 2017

ANA ARAGÃO



Ana Rocha: Quem é a Ana Aragão? Qual é a estória?
Ana Aragão: A história é muito simples de contar. Sou do Porto, cidade onde vivi quase a minha vida toda, e faço desenhos. Idealmente era isto que gostaria de escrever em todas as biografias que me pedem: nasci e faço desenhos. Depois tenho todo um percurso que me fez quem sou. No campo profissional: estudei arquitectura, comecei o doutoramento, fugi para o desenho. Pessoalmente: tenho a minha rede de pessoas sem as quais não sei viver e tenho uma filha pequena. Basicamente não é muito mais complexo que isto. O resto é conversa.




A.R.: O Porto. Que influência e papéis desempenha? É a cidade o primeiro background em arte?
A.A.: O Porto está sempre presente, ainda que da maior parte das vezes de um modo inconsciente. Nasci no Porto e vivi quase toda a minha vida aqui, por isso é natural que o Porto esteja implícito naquilo que desenho, sobretudo quando o meu tema explícito por excelência é a cidade, ou casinhas, ou algo do género. No meu caso a cidade não é um background, mas um foregroud: a cidade é o tema mais óbvio. Evidentemente que a cidade é muitas vezes uma perífrase ou uma metáfora para tratar temas que me interessam sobremaneira, como a relação do infinitamente pequeno com o infinitamente grande, ou a forma como arrumamos o que nos rodeia, como organizamos a informação e como decidimos, quando confrontados com múltiplas opções. Trato sempre o tema dos labirintos da experiência, embora o que apareça no fim, ou o que costume aparecer, são manifestações de cidades possíveis e impossíveis.
A.R.: Fora do Porto: existe um lado de fora? Ou, parafraseando Italo Calvino, “por mais que se afaste da cidade, nada faz além de passar de um limbo para o outro sem conseguir sair dali”?
A.A.: A fuga do centro é algo extremamente difícil. De facto a distância que tento ganhar à obra torna-se particularmente difícil quando a obra é absorvente, e em mim é, sem sombra de dúvida, uma obsessão. O lado de fora talvez sejam os olhares do outro, ou quando viajo, e mesmo assim nem sempre consigo descentrar-me. Para mim o desenho é um centro, o meio pelo qual descubro coisas, ou não descubro coisas, e por isso continuo sempre e sempre e sempre.


A.R.: Que relação entre o trabalho de Ana Aragão e a obra de Italo Calvino, Cidades Invisíveis?
A.A.: É um dos livros que me deram a ler na Faculdade e desde então tornou-se uma das minhas Bíblias. Gasto de tanto revisitar. Italo Calvino conseguiu aproximar-se da construção de um livro infinito. Encontro muitas afinidades com esse livro, não apenas por descrever cidades, mas por procurar listar todas as cidades possíveis num catálogo sem fim e sem início, algo que me fascina. O desejo do universal é algo que me seduz imensamente. As descrições são tão visuais quanto intelectuais, e o livro pode ler-se de trás para a frente que não deixa de fazer sentido. Para mim, ainda hoje, é um livro mágico. Há outros livros do mesmo autor que me interessam mais, hoje em dia, mas as cidades invisíveis são sem dúvida um marco na minha vida de leitora.
A.R.: Para Italo Calvino a relação entre o tapete e a cidade é misteriosa. No tapete contempla-se a verdadeira forma da cidade. Concorda?
A.A.: No tapete temos a representação da cidade, que nunca será coincidente com a própria cidade. A cidade é um organismo em permanente devir, e nunca será possível encontrar um ponto zero. Se congelarmos a cidade no tempo, ela desfazer-se-á. A coincidência entre a representação e a realidade nunca será possível, como nos conta Jorge Luís Borges também, quando imagina, no Rigor da Ciência, um mapa que coincidia ponto por ponto com o Império, um mapa da escala 1:1, que afinal de desfez e virou ruína. Podemos escolher qual a nossa matriz: se partimos da dita realidade objectiva e exterior ao sujeito ou da representação subjectiva, que na minha opinião é tão válida e tão verosímil quanto a primeira. 


A.R.: Que papel atribui MC Escher?
A.A.: Escher foi-me dado a conhecer andava eu no colégio ainda. O meu professor de desenho ofereceu-me um livro de Escher, que me fascinou. Escher é um cientista do desenho, um matemático criador, um génio da representação. A sua mestria consiste em compreender exactamente quais as condicionantes da representação: a bidimensionalidade, e trabalhar a partir desses constrangimentos. Se conhecermos exactamente os dados do nosso problema, seremos provavelmente muito mais eficazes na resolução dessa problemática. Escher sabia exactamente o que tentava resolver pelo desenho.
A.R.: Existe alguma influência de Alexander Brodsky e Ilya Utkin (arquitetos russos 1955)?
A.A.: Não existe nenhuma relação directa, embora admire a obra deles. Agora que pergunta vou pesquisar melhor, pode ser que responda à pergunta de forma diferente num futuro próximo.

infoanaaragao.com
http://www.anaaragao.com
 

segunda-feira, 5 de junho de 2017

mynameisnotSEM



Ana Rocha: mynameisnotSEM… Porquê?
mynameisnotSEM: SEM é um alter-ego do tempo do graffiti – tem cerca de 10 anos – que uso por referência ao negativo e à subtracção. Portanto: não é uma sigla. Exploro-o, também, pela questão oral. É um algarismo? É uma negação? Esse trocadilho, fazia-o enquanto artista de graffiti: ora assinava com algarismos, ora assinava com letras. E tem, também, que ver com o sentido literal da coisa – o meu nome não é mesmo SEM, é Filipe – e com referências pessoais, como o filme brasileiro O meu nome não é Johnny. São várias as referências que acabam por se aglutinar no meu alter-ego.



A.R.: O que é que fazes, especificamente?
mynameisnotSEM: Pintura, curadoria de eventos, arte urbana e workshops (em escolas de Ensino Primário, Básico e Secundário – exponho os alunos à técnica da pintura).
A.R.: Formação?
mynameisnotSEM: Sou licenciado em Design de Comunicação pela ESAP – Escola Superior Artística do Porto – e mestre em Design de Imagem pela FBAUP – Faculdade de Belas Artes do Porto –, mas o meu percurso é não-normativo e só faço design pontualmente.
A.R.: Criativo ou artista?
mynameisnotSEM: Mais criativo do que artista.
A.R.: De que forma é que isso se reflete no teu percurso académico?
mynameisnotSEM: Durante o Mestrado escolhi dissertação em vez de estágio. A minha dissertação é sobre o Desenlata.
A.R.: O que é o Desenlata?
mynameisnotSEM: O Desenlata é um festival de arte independente. É autossuficiente – sustem-se no crowdfunding – e é organizado por mim, por mais (alguns) artistas e por pessoas associadas à área. Surge a partir da minha vontade de desenvolver projectos com artistas e com a comunidade sem produzir um conhecimento muito extensivo e teórico – por associação às belas artes – pelo que tem, portanto, um carácter prático. Há, aquando a frequência no Mestrado em Design de Imagem pela FBAUP, a oportunidade de a dissertação se concretizar no próprio planeamento de um evento e, porque Matosinhos é uma cidade especial para mim, pareceu-me interessante a ideia de explorar lá o festival de arte urbana.


A.R.: Que relação entre ti e Matosinhos?
mynameisnotSEM: O mar, a indústria conserveira e o facto de eu ter crescido, enquanto artista, nas fábricas abandonadas de Matosinhos que, na sua maioria, eram fábricas de conserva. Matosinhos era uma cidade industrial, mas está a tornar-se em habitação de luxo (…).
A.R.: Como se concretiza, em termos práticos, o Desenlata?
nynameisnotSEM: No primeiro ano, Desenlata – Festival de Arte Ilegal, um mural colectivo, um workshop e uma exposição. Dois dias de evento, com um instameet. O ano passado, Desenlata – Festival de Arte Independente, uma street art tour: fizemos um circuito de colagens, concretizado, mais tarde, num mapa. Em 2017, terceira edição, estamos a organizar uma exposição muito especial em Matosinhos. Um mural colectivo – uma coisa mais ambiciosa do que na primeira edição – e visitas guiadas às fábricas de conserva em funcionamento (ainda existem duas). Sempre no primeiro fim-de-semana de Setembro, este ano a 2, 3 e 4 (Setembro de 2017).
A.R.: Porquê fazer visitas guiadas às fábricas de conservas?
mynameisnotSEM: O Desenlata, para além a arte urbana integrada no contexto da cidade de Matosinhos, quer celebrar a história da cidade. É um festival com uma dimensão activista. Por que é que as fábricas deixam de existir e começam a aparecer casas? Falamos sobre o que aconteceu porque é interessante descobrir isso e porque as pessoas que, actualmente, aqui vivem não são de Matosinhos! Um dos capítulos da minha dissertação tem que ver justamente com as fábricas abandonadas. Exploro o que são espaços mortos e devolutos e concluo que aqueles espaços não estão mortos: vivem lá pessoas – sem-abrigo, toxicodependentes – vivem lá animais, vivem lá plantas… Há pessoal que vai lá roubar cobre e metais preciosos, há pessoal que vai para lá depois da queima, para ter relações sexuais. Aqueles espaços, no fundo, estão legalmente embargados. Têm actividade. O que está morto aos olhos da lei, na prática, tem actividade.



A.R.: Como defines o que fazes profissionalmente?
mynameisnotSEM: Sou um artista plástico.
A.R.: Que leitura podemos fazer aos teus desenhos?
mynameisnotSEM: Os meus desenhos têm caracter abstrato. Eu não sei desenhar e não gosto do figurativo, então tento fazer o que me é confortável – embora esteja sempre a experimentar técnicas novas. A formação em design afecta a minha percepção de arte e molda o que eu gosto de fazer. O trabalho que desenvolvo é muito inspirado pelo design e pela música eletrónica. Actualmente, pinto formas cheias de cor, mais ou menos dinâmicas, por associação à música eletrónica. Gosto do minimal, do psicadélico e (quase) não oiço voz – não gosto de músicas com voz.
A.R.: Porquê?
mynameisnotSEM: A expressão na ausência de texto – através de imagem, som (…) – potencia um outro universo. Eu não me identifico com a voz: a música fala sem voz! E, este trabalho, tem que ver com a questão musical. A música é um prato, um bombo, um sampler, um sintetizador (…). O que eu tenho tentado fazer é desconstruir e construir – tento encontrar elementos visuais para compor o meu trabalho como se fosse música. É uma abordagem (um bocadinho) diferente e muito pessoal.
A.R.: Onde te encontramos daqui a 10 anos?
mynameisnotSEM: Não sei como me vejo daqui a 10 anos. Estamos numa fase muito crítica para fazer planos: nós, a sociedade, o país (…). Eu não gosto de fazer planos a longo prazo. Quero manter esta actividade – é o sonho, sim! –  e fazer com que isto prolifere. Gosto de pintar em anarquia, mas o compromisso profissional conforta.