sexta-feira, 9 de março de 2018

RAQUEL BARBOSA



Ana Rocha: Quem é a Raquel Barbosa?
Raquel Barbosa: A Raquel é mãe, é mulher, é psicóloga, é professora, é investigadora, é filha, é amiga, é colega… Todos estes papéis me definem como pessoa, ainda que ser mãe seja o meu papel principal, o que redefine as prioridades, porque pede presença, orientação, desgaste físico e emocional. Depois, há características que me definem de uma forma geral, que são transversais…
A.R.: Que características são essas?
R.B.: A dedicação. A persistência. O brio. A vontade de querer mudar as coisas, de ajudar, de fazer a mudança de forma positiva no que esta ao meu alcance - mas não é fácil conseguir fazer tudo bem e temos que aprender a relativizar. Impera a lei do melhor possível: o melhor possível como mãe, o melhor possível como mulher, o melhor possível como amiga, como filha, como profissional (...). Gerir os múltiplos papéis é um desafio, e geri-los de forma positiva é aprender a priorizar, a reorientarmo-nos para aquilo que realmente interessa. Tenho tentado fazê-lo, e centrar-me no que é essencial, tem sido uma aprendizagem constante. Passamos a maior parte do tempo a trabalhar e é importante que se goste daquilo que se faz, mas quando se exagera e o exercício profissional perde o brilho, é tempo de abrandar… Tento não perder nunca essa lucidez.

“Passamos a maior parte do tempo a trabalhar e é importante que se goste daquilo que se faz, mas quando se exagera e o exercício profissional perde o brilho, é tempo de abrandar…”

A.R.: O psicólogo ocupa um papel importante?
R.B.: Normalmente as pessoas procuram o psicólogo num momento de crise, mas o psicólogo não age, sempre e apenas, sobre um sintoma. Quando procuramos a causa para a sintomatologia, percebemos que está sempre tudo relacionado com algo que é muito mais do que uma depressão: ora é porque a pessoa não está bem na situação profissional, ora é porque não está bem na relação, ora é porque não está bem na vida, ora é porque não está bem consigo próprio… Não sabe como lidar com determinada situação, sente-se perdida, bloqueada, sem ferramentas para sair daquela crise, e o nosso trabalho é ajudar a pessoa a fazer essa caminhada, a conhecer-se, a encontrar o seu caminho e aquilo que faz mais sentido para si.
A.R.: A depressão e a ansiedade são flagelos da sociedade actual?
R.B.: Sim, estão bastante associadas às características e exigências da sociedade actual: o ritmo, a instabilidade, a falta de tempo, o individualismo, a pressão… Tudo isto pode com maior facilidade levar ao desgaste físico e emocional – ao desenvolvimento destas e de outras sintomatologias.
A.R.: Quem não está a passar por um momento de crise, pode procurar um psicólogo?
R.B.: Claro que sim! Querer ter um espaço seguro onde se pode reorganizar, questionar, conhecer, desenvolver-se e ir mais além. Procurar ajuda porque se precisa de um apoio mais pontual ou simplesmente porque existe a vontade de olhar para a vida de outra forma. Algumas vezes porque as pessoas nas suas relações pessoais não encontram esse espaço – para serem ouvidas, ajudadas; as pessoas não se sentem compreendidas. Os amigos e a família aconselham e as pessoas fazem o que os outros sugerem. O psicólogo ajuda-o a pensar e agir por si. São as pessoas que fazem o seu caminho. Nós, os psicólogos, seguramos a mão e vamos deixando…

“São as pessoas que fazem o seu caminho.
Nós, os psicólogos, seguramos a mão e vamos deixando…”

A.R.: Falou da sua vontade de ajudar: quem ajuda?
R.B.: Em termos clínicos, actualmente, acompanho menos casos no serviço de consulta e tenho me dedicado mais aos idosos, tanto ao acompanhamento psicoterapêutico individual como em grupo. Tem sido uma experiência bastante enriquecedora. Recentemente nasceu um projeto de acompanhamento psicológico ao domicílio –  Freguesia de Paranhos –, numa tentativa de se chegar àqueles que estão mais isolados e fragilizados. Ainda assim, é uma população que procura, espontaneamente, muito pouco este tipo de ajuda, isso tem que ver, também, com o facto de não saberem o que é o psicólogo. São, normalmente, os filhos que marcam a consulta, mas está a mudar: aos poucos.
A.R.: Quais são os problemas que mais trazem os idosos aos psicólogos?
R.B.: Um dos maiores problemas, e que aparece associado a muitas outras situações, é a solidão. As pessoas estão sozinhas, sentem-se sozinhas e essa é uma das crises com as quais é mais difícil lidar. Os diversos lutos associados ao próprio processo de envelhecimento, por outro lado, as perdas com as quais se confrontam e nem sempre conseguem aceitar. Penso que é um desafio constante o trabalho de desmistificação de muitos estereótipos que dificultam a motivação para a mudança; o acharem que já não vale a pena, que já não têm idade para isto ou para aquilo, que são um peso para a família, para a sociedade… Mitos estes bastante enraizados neles e veiculados pela própria sociedade e familiares, muitas vezes, o que é um grande entrave para a procura da sua felicidade e bem-estar. Mas, muitas das situações que trazem os idosos à consulta são comuns a adultos mais jovens; os conflitos familiares, a relação conjugal, a falta de propósito e a necessidade de se sentir ouvido e compreendido. Por outro lado, com a esperança média de vida a aumentar, os casos de demência e o apoio aos cuidadores têm sido uma grande preocupação. 

“Muitas das situações que trazem os idosos à consulta são comuns a adultos mais jovens; os conflitos familiares, a relação conjugal, a falta de propósito e a necessidade de se sentir ouvido e compreendido.”

A.R.: Como se previnem estas doenças: é possível?
R.B.: O desenvolvimento da demência é fortemente associado à idade, a factores genéticos, mas relaciona-se com múltiplos factores que, eventualmente, poderemos tentar controlar, por forma a envelhecer o melhor possível: a atitude que temos perante a vida, o sermos mais positivos, mais participativos e envolvidos socialmente, construirmos relações próximas e de confiança, ter um estilo de vida saudável, etc, E isto começa-se a educar logo na infância.
A.R.: Podemos falar de luto em vida, do luto que não está associado à morte mas à perda da pessoa que conhecíamos do modo como a conhecíamos, na iminência de doenças como a demência?
R.B.: Sim, embora as pessoas descubram, muitas vezes, formas de se reencontrarem: penso que existe sempre alguma coisa da pessoa que conhecíamos que se mantém lá, temos é que encontrar formas de comunicar com ela…  
A.R.: Pensar sobre a morte de outros – ser confrontado com – é pensar sobre a nossa morte?
R.B.: Sim, ainda que nem todos os que se confrontam com a morte pensem na sua vida e na sua finitude muitas vezes fogem e evitam pensar e tomar consciência da sua existência –, mas quanto mais consciência tivermos da nossa morte melhor vivemos, mais valorizamos a vida. Todos temos a certeza de que vamos morrer, não sabemos é quando, nem como. A morte faz parte da vida, tal como o sofrimento e a perda, e é importante que exista uma educação nesse sentido. As pessoas não são preparadas para lidar com as perdas, existe muito medo e proteção. A morte deve ser escondida, é cada vez mais solitária, evitada a todo o custo… Felizmente já se começa a fazer algum trabalho a este nível, na humanização dos cuidados de saúde, na formação dos profissionais, etc.

“Os idosos são adultos, com uma história de vida, e merecem esse respeito, essa educação e esse olhar.”

A.R.: O desenvolvimento ao longo de todo o ciclo vital pode ser interpretado à luz d’O Estranho caso de Benjamin Button?
R.B.: Não sei se será a melhor interpretação do filme, mas a imagem de um idoso a ser tratado como um bebé (que seria, supostamente) remete-me para a infantilização com que os mais velhos são tratados. As crenças de que os idosos são como as crianças e de que, portanto, devem ser tratados como tal – babytalk, por exemplo – fazem-nos acreditar que realmente não são capazes e isso é tão humilhante! Os idosos são adultos, com uma história de vida, e merecem esse respeito, essa educação e esse olhar. Idosos são pessoas mais velhas, não são uma classe diferente, são adultos mais velhos e com outras fragilidades, que são – muitas vezes! – ridicularizadas, mas também potencialidades. Falamos da educação para o luto e para a morte e devemos falar, também, sobre a educação para o envelhecimento e para a velhice.

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